domingo, 23 de dezembro de 2007

Time to move on

Perdi a conta de quantas vezes precisei dizer isso nos últimos três anos. Agora é fim de ano, um ano que termina muito melhor do que pelo menos os últimos quatro. Tenho a sorte de não me lembrar muito de coisa ruim, então nem sei o que aconteceu nos anos anteriores. Mas de novo tenho que dizer isso, porque, arre! Tudo melhorou, não estou mais na miséria, tenho amigos maravilhosos, minha família vai bem, obrigada – mas que merda de vida amorosa do caralho! Traço no Ibope total.
Tô indo viajar para a Chapada dos Veadeiros, que segundo consta é o lugar mais místico do Brasil - o que quer que isso signifique. Fato é que as ruas são de pedrinhas de brilhante, cachoeiras mil, pessoas de todas as partes. Ideal para zerar a fatura e começar de novo em outra vibe, mandando às favas o ursinho carinhoso que baixou em mim em 2007.
Wish list 2008:
- voltar a estudar,
- voltar a fazer coisas que fazem alguma diferença,
- recuperar minha libido.
E como desejei na árvore da Yoko Ono, que venha um grande amor, mas que seja correspondido.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Isso e aquilo

Há que se estabelecer a diferença crucial entre DR sem R e faxina emocional. A DR sem R (sigla para discussão de relacionamento sem relacionamento) pressupõe, antes de tudo, resíduos emocionais e esperanças vãs. Está todo mundo vendo que daquele mato não sai cachorro, mas um dos dois - ou os dois, já que não se faz uma DR sem R sozinho - no fundo ainda acha que ah, quem sabe... As discussões são as mesmas de um casal, sendo que os dois - ou um deles - insiste em afirmar que não há compromisso. Ou seja, pura perda de tempo.
Faxina emocional, por sua vez, é o momento do desabafo final. A hora em que uma parte percebe que está perdendo tempo e decide por pra fora o que incomoda, sem ter mais a preocupação se vai ofender. Representa um alívio ímpar e a certeza inspiradora de que aquilo já era.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Latinidad

Os latinos são e estão. Os saxões just be. Aí está toda a diferença.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Meu telefone é da Mara

Você sabe de quem é o número do seu celular em Santos? Do meu eu sei. É da Mara. A Mara tem um filho que mora em Barretos, se não me engano. Sei que é prefixo 18 e ele liga pra pedir dinheiro e não fala nem bom dia. A Mara organiza excursões, isso descobri recente. Ligam mais pra Mara do que pra mim. E sempre que ligam eu, solícita, explico: - Não, não é a Mara. O prefixo do telefone dela é 13. (...) Isso mesmo, o senhor precisa ligar o 13 antes do número. (...) De nada, o que é isso.
Tem dias que tô bobinha e ouço a musiquinha deprê que coloquei no aparelho e até penso que vai ser uma determinada pessoa do momento. Nunca é.

Damas do lotação

Shortbus (John Cameron Mitchell, 2006) foi a minha grande e grata surpresa cinematográfica do ano. Como diz meu homeopata, nada é por acaso, então não foi coincidência assistir o filme logo depois de ler alguns livros sobre mitologia grega.
O filme começa com trepadas e cenas eróticas explícitas variadas, de três casais, um deles gay. O casal gay está em crise, e vai a uma terapia de casal. A terapeuta, que faz parte de um dos casais do começo do filme, acaba se abrindo com eles e diz que nunca teve um orgasmo.
Eles então a levam ao Shortbus, um tipo de casa de suíngue para todos os públicos. As pessoas podem ficar juntas na mesma tribo, ou não. Mas tem espaço para todos e o clima é tão legal que eu e uma amiga ficamos encantadas com a idéia. O filme é erótico sim, mas ninguém está ali de passagem. Todos estão buscando alguma coisa, e não há nada de fútil. Todos ali são iguais na sua diferença.
Não há muito o que dizer sobre o filme, em geral meus filmes preferidos me deixam sensações e não falas.
Mas onde entra a mitologia grega? Bom, pouco antes, tinha descoberto um professor de mitologia grega, Viktor Salis, que dei um jeito de entrevistar. Nada é por acaso, então apareceu uma pauta sobre vinho e, voilà, fui falar com ele sobre Dioniso. Daí comprei outro livro dele, “Ócio criador, trabalho e saúde”, onde ele diz:
“... as termas eram cuidadas e mantidas por mulheres, sacerdotisas de Afrodite, ou Vênus, em latim. Tinham grande cultura e dedicavam-se também a cuidar das pessoas que as freqüentavam. Seu nome, em latim, era putae, e deram origem à palavra ‘puta’, com significado bastante diverso, como observamos.
E por que isso ocorreu? Simplesmente porque essa palavra derivou de publis, que queria dizer público e estava associada com a palavra púbis, cujo significado é idêntico tanto em latim quanto em nossa língua. Em outras palavras, as sacerdotisas cognominadas putae não eram prostitutas como o nome mais tarde passou a sugerir, mas mulheres de grande cultura e dedicadas à vida pública, o que poderia eventualmente incluir uma relação erótica com alguém de sua escolha.”
Entre tantas idéias empreendedoras que ando tendo, abrir um "shortbus com putaes", um puteiro na acepção mais clássica do termo, me parece uma das mais sedutoras.

Talento sem penso

Fiquei chapada olhando o Lucio Maia tocar guitarra, sábado passado no Sesc Pompéia. No meio do show, penso numa coisa que sempre me intrigou. Como deve ser o máximo ter um talento, uma coisa que simplesmente precisa sair da gente e virar uma expressão artística. Música, artes plásticas, dança, poesia.
Não que eu não saiba que todo artista precisa desenvolver sua técnica, estudar, praticar. Mas é muito diferente estudar violão e decorar as cifras e a teoria musical, mas não conseguir tirar uma música de ouvido, nem sequer entender direito como funciona a combinação das notas pra formar um acorde.
Também não é a mesma coisa aprender a desenhar com o lado direito do cérebro e descobrir técnicas que fazem você conseguir representar alguma coisa de uma forma minimamente compreensível, e nascer sabendo desenhar.
Fiquei fã dessa banda, Maquinado, formada por uma galera do Nação Zumbi (Lucio Maia, guitarra, Dengue, baixo, Toca Ogam, percussão, e DJ PG na pick-up, scratching). O som deles é hipnótico, pesado. Poderia ter ficado ali olhando aquele cara tocar guitarra, a noite inteira. O link do MySpace deles tá aí do lado, mas as gravações não chegam nem perto do que assisti.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Muito além de Harry Potter

Não que eu não seja realmente fã de Harry Potter. Estou com o volume 7 no meu criado mudo para ler e não tenho coragem de começar, porque sei que é o último. Tenho esse problema grave, quando vai chegando o fim de um livro que estou adorando, começo a lerdear. Mas há livros de fantasia muito mais complexos entre o céu e a terra do que as obras de J.K. Rowling.
Tem a trilogia de Philip Pullman, que virou filme com Nicole Kidman e Daniel Craig, e estréia agora no final do ano – “A bússola dourada”, primeiro volume da série. Medo terrível de imaginar o que fizeram com uma das séries mais inacreditáveis que já li, Fronteiras do Universo. Não seria muito dizer que os livros foram mais eficientes, para mim, para pensar no sentido da vida, do que todos os meus anos de escola de freiras. O diretor fez “American Pie”, que eu não vi e não gostei. Mas pode ter havido um milagre. Vou ver o filme, claro. O site é genial, dá até pra criar seu deamon, que é muito simplificadamente a alma das pessoas, que está sempre ao seu lado em forma de bicho. O meu é um gato selvagem, o que quer que isso signifique. Vou ver, sem dúvida alguma.
As coisas ficam mais obscuras nos livros do Neil Gaiman, que já citei antes. “Coraline” é uma história infantil, fofa, mas bem darkzinha. Ela se muda, abre uma porta e lá está, em um mundo paralelo, com pessoas que parecem conhecidas, mas são seu avesso. Agora estou acabando de ler “Lugar nenhum”, o primeiro livro dele, que mostra um mundo paralelo nos subterrâneos de Londres. Nem tão infantil, mas muito sombrio, cheio de metáforas e trocadilhos (que eu confesso que gosto).
E ainda espero ansiosa que Clive Barker, Mr. Hellreiser, termine a trilogia Abarat. O primeiro volume das histórias da menina que vai para o mundo em que só existem ilhas e cada uma delas é, o tempo todo, um horário do dia, saiu em português, pela Cia. das Letras. A editora nem se mexeu para traduzir o segundo, que já li emprestado, em inglês mesmo. Só que o peste do autor não terminou a história, até porque os livros são todos ilustrados por ele mesmo, em verdadeiros quadros surreais e hipercoloridos, pintados a óleo, lindos de morrer. Os direitos já foram comprados para filme e o vilão é um dos seres mais inacreditáveis já inventados.
Sempre mundos paralelos, sempre histórias de fantasia. De onde saem essas idéias? Como alguém pode ter uma mente tão fértil? E por que essas histórias são tão fascinantes? Não sei responder as primeiras, se tenho talento para a ficção ainda não descobri. Mas para a última, parece que a epígrafe de “Coraline”, de G.K. Chesterton, é uma boa explicação:
“Contos de fadas são a pura verdade: não porque nos contam que os dragões existem, mas porque nos contam que eles podem ser vencidos”.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Conto de Natal

O Natal está chegando, e com ele a compração. Hoje teve crônica divertida da Cecília Gianetti na Folha sobre a agonia dos xópins. Mas meu conto favorito de Natal é muito mais lúgubre. É do Neil Gaiman, autor do comics Sandman. Não sou muito de quadrinhos (outra confissão terrível), mas gosto muito dos livros dele. E aí vai o conto:

Nicholas era...
mais velho que o pecado e sua barba não podia ficar mais branca. Ele queria morrer.
Os anões nativos das cavernas do Ártico não falavam sua língua, mas chilreavam na deles e realizavam rituais incompreensíveis quando não estavam trabalhando nas fábricas.
Uma vez por ano, forçavam-no, aos prantos e sob protestos, pela Noite Sem Fim. Durante a jornada, permaneceria ao lado de cada criança do mundo, deixando um dos presentes invisíveis dos anões ao pé da cama.
As crianças dormiam, congeladas no tempo.
Ele invejava Prometeu e Loki, Sísifo e Judas. Seu castigo era mais sombrio.
Ho.
Ho.
Ho.
(em Fumaça e Espelhos, ed. Via Lettera)

Gostando, e só

Estou gostando, faz tempo que não gostava. E estou feliz porque gosto muito de quem estou gostando. Não rola, porque fomos acometidos de um gravíssimo problema de timing. A gente se vê no trânsito e enrubesce, tudo por causa do timing.
Não faz essa cara pra mim.
Deixa eu aqui gostando.
Não é suficiente, mas é só.

Da janela lateral

Da janela do meu quarto
Nunca está chovendo
Nem fazendo frio
Está sempre sol
Atrás da minha cortina

A função do Elevado

Em São Paulo tem o Elevado Costa e Silva, obra de Maluf em homenagem a esse presidente modelo da época da ditadura. É um elefante branco, medonho, que arrasou o bairro. Duas pistas que passam a poucos metros da janela de vários prédios, acabando com o sossego e detonando o preço dos apartamentos. Já foram feitos vários projetos para transformar aquilo em alguma coisa que preste. O arquiteto Michel Gorski, inclusive, defende com veemência a demolição do trambolho. No fundo ele tem razão.
Mas descobri uma finalidade para aquele viaduto horroroso. Sempre que estou ouvindo uma música boa, prefiro ir por ali, que não tem faróis. O trânsito anda e a gente não precisa pensar em nada, só cantar.

Encontros

Chega uma hora em que a gente começa a encontrar os amigos em lugares diferentes. Na farmácia, no laboratório de análises clínicas. Ano passado encontrei uma amiga que não via há séculos no Delboni, com o marido, ambos fazendo check-up. Botamos a fofoca em dia, depois não encontrei mais. Esta semana fui duas vezes, mas não encontrei ninguém. É que nessa época estão todos fazendo compras de Natal.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Três livros tristes

A alguns livros se atribui o peso de ajudar a construir personalidades. É um peso grande, mas que muitos suportam. Esses três são só alguns exemplos. Aliás, não sou de fazer listas, até porque conheço minha volubilidade. E nesses tempos de vida adulta – quando as dúvidas são muito mais fortes do que as certezas – é melhor não ser categórica. Mas existem livros que acho que vão permanecer na lista dos fundamentais, seja lá que tamanho ela tenha no fim da vida.
Um, de que não me lembrava há tempos, mas voltou esta semana, é "O fio da navalha", de W. Sommerset Maugham. No cinema, o personagem principal é interpretado pelo Bill Murray, o que me causou risadinhas, porque, convenhamos, o cara é muito engraçado. Mas segurou a onda.
Outro, que ganhei do ex – devo dar o crédito porque o livro realmente é muito bom – é "Norwegian Wood", de Haruki Murakami. Só os japoneses entendem o suicídio, só eles. Tem um trecho que fala sobre um poço oculto, sem fundo, escondido no campo. Volto a ele a cada instante, a toda hora, queria transformá-lo num roteiro de curta.
E hoje estou terminando de ler a descoberta mais recente e mais incrível que é Doris Lessing (e agradeço, mais uma vez, à Raquel pela apresentação). Ainda não me aventurei por seus livros de ficção científica, mas estou terminando "The sweetest dream", recentemente traduzido pela Companhia das Letras como "O sonho mais doce". Conta a história da segunda metade do século 20 e de todas as suas contradições a partir de três gerações de mulheres. Minha descrição é pífia perto da habilidade que ela tem, da simplicidade e clareza do texto, da construção de personagens sem muita descrição. Lindo. Chocante. Destrói sonhos, mas constrói vidas.
É bom ser adulta. A gente agüenta.

Amiga americana

Encontrei a minha amiga americana Alexandra Weber, que conheci quando trabalhava com meu pai em jornais especializados em Radiologia. Trocamos e-mails, um rápido update para saber que ela virou cantora de Latin Jazz.
Ela me ensinou muito de jornalismo científico. Naquela época, faz pouco mais de dez anos, Alexa vinha pro Brasil cobrir eventos da área, e eu fui três vezes pra Chicago, uma das cidades mais lindas que já vi na vida, outra para Miami, com o mesmo propósito.
Fui atrás dela depois que vi a revista Diagnostic Imaging na mão do Dr. House (até escrevi sobre isso, em setembro) e encontrei seu blog, my space, site, tudo.
Além de ser ótima repórter e editora, ela sempre gostou de cantar e adora música brasileira. Cheguei a levá-la ao Centro pra comprar partituras da última vez que esteve aqui.
Fato é que ela decidiu realmente investir na carreira de cantora, depois que foi demitida – no sexto mês de gravidez – da editora em que trabalhava editando uma revista de informática (a gente já tinha perdido um pouco o contato nessa época). Sim, ela é americana, mora na Califórnia, e foi demitida no meio da gravidez. Lá pode. Se é sacanagem ou não, a gente até pode discutir. Mas o fato é que ela ficou sem emprego, grávida, e já tinha outro filho de três ou quatro anos.
Parece que as coisas também não são tão fáceis por lá para quem quer viver de música, mas tá rolando. Gravou o segundo CD: é uma misturança só, meio jazz, meio samba, bem latino, um pouco de brilho demais aqui e ali, mas ela está ali, inteira, sincera, confiante, como sempre foi.
Como quando tentou me convencer de que Bill Clinton não tinha comido a Monica Lewinsky, porque se tivesse, para ela, ele simplesmente diria. Ela não concebia o fato de que um presidente democrata pudesse estar mentindo para a opinião pública americana. E eu, brasileira as hell, não podia me conformar com tamanha ingenuidade... Que pena, pra nós duas.

Por falar em literatura cor-de-rosa

Bom, vamos dizer que não seja um livro tão cor-de-rosa assim, mas, digamos, grená. Chama-se "Comer, Rezar, Amar", de Elizabeth Gilbert. É a história real de uma jornalista chamada Liz que se separou do marido (olha! parece alguém que eu conheço...).
A separação é litigiosa, ela logo se envolve de verdade com outro cara, daí desmancha e resolve tirar um ano sabático (viu? as semelhanças acabaram). E, claro, como ela é americana e tem alguma coisa publicada, ela consegue um adiantamento de royalties para bancar a viagem por três países, todos começados em I (eu, em inglês): Itália, Índia e Indonésia (viu? taí uma coisa que jamais aconteceria para um escritor brasileiro standard). É lá que ela vai comer, depois rezar, e depois amar.
Claro que a parte do rezar não me interessou muito, mas também é legal, porque a Índia é legal. Mas a experiência dela nessas viagens é maravilhosa, as pessoas que encontra, os lugares que conhece.
Já que é época de Natal, estou pensando em abrir uma daquelas "caixinha, obrigada" para pedir uma ajuda para tirar meu ano sabático. Está na hora de olhar o mundo sob outra perspectiva.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Confesso que gosto 1 (vão ser muitos)

... de literatura cor-de-rosa. Não, Julia e Sabrina eu lia muito na escola, embaixo da carteira, quando tinha uns 14 anos. Tive uma recaída forte quando passei um mês no Chile, aos 19 anos, e na casa onde eu estava essa era a única maneira de praticar o espanhol. Não, hoje eu não leio mais Julia e Sabrina (apesar de ultimamente ter avistado uns exemplares nas bancas que deram uma coceirinha...).
Estou falando dessa montanha de livros pra mulherzinhas, tipo Bridget Jones e Melancia, que me divertem horrores quando estou cansada de tanto ler coisa séria no trabalho. Ler pra mim sempre foi uma diversão, então em geral traço o que vier pela frente (nunca encarei Paulo Coelho, talvez deva confessar isso também). Esses livros, apesar de, no fundo, no fundo, serem romances água-com-açúcar, cumprem seu papel de lenitivo para nossos nervos emocionais. Não são mal escritos nem mal traduzidos a ponto de provocarem fúria e, como geralmente vêm da terra da Lady Di, são os contos de fadas modernos de que nossas Charlottes interiores precisam.

Comida de família

Minha avó faleceu no início de 2006 e com ela grande parte da tradição de comidas italianas da família. Herdei a máquina de fazer macarrão, mas receio não ter muita coragem de encarar o desafio de amassar a massa com a mão e passá-la na máquina até obter tiras longuíssimas, finíssimas, que depois são passadas no corte grosso ou fino para dar origem a talharins que derretem na boca.
Mas se ainda preciso aprender a fazer o macarrão, ainda posso ir na Padaria Ana Néri, no Cambuci, comprar o pão italiano que meu avô, também falecido, adorava. Ele ia a pé do Ipiranga até lá só para comprar o filão de pão.
Estive lá depois de mais de década, bem no dia do enterro da minha avó. Foi uma viagem no tempo. Comprei o pão e também um pacote de micro-raviólis que são a coisa mais fofa e gostosa do mundo! Crus, não têm mais de 1 cm de lado. Mas o recheio é super-saboroso e o pacotinho de 500g custa pouco mais de R$ 2!!! Vale a pena se abalar pro Cambuci, onde meus avós se conheram fazendo footing, pra comprar o pão e as massas: Rua Ana Néri, 938.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Jeitos cinematográficos de morrer 2

Existe outro jeito adorável de morrer que é sendo transpassada pelas garras de adamantium do Wolverine, como aconteceu com a Fênix no X-Men 3. Vi o filme de novo outro dia e confirmei que morreria assim facinho.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Coisas impublicáveis

Um dia desses meu médico homeopata vai me chamar de novo e pedir um orçamento de outro livro. Já editei o livro dele sobre Homeopatia. Mas suspeito que mais cedo ou mais tarde ele vai arrumar um jeito de ganhar dinheiro às minhas custas publicando um livro cômico com as anotações que ele toma nas minhas consultas.
Ora, quando me disseram que eu tinha que falar sobre a vida, o universo e tudo o mais nas consultas de homeopatia, levei a coisa a sério. Hoje fui lá e comecei a falar sobre tudo o que aconteceu desde a semana passada, que eu estava ótima mas fiquei triste, daí fiquei com dor de garganta e não sarei mais, que vi um filme triste e pratiquei meu esporte preferido no sábado a tarde inteira (choro convulso sem barreiras), e que ainda por cima o Corinthians foi rebaixado, outro motivo de tristeza. Ele anotou tudo. Vá saber o que vai fazer com isso.

domingo, 2 de dezembro de 2007

O belo e os vermes

Primeira fila, primeira cadeira: Paulo Vilhena. Em seguida, Lulu, eu e Raq. Para assistir um espetáculo de flamenco na nova escola onde a Raq está estudando. As duas, eu no meio, discutindo medicamentos para vermes, e a belezinha ali do lado, sozinho. Coisas hilárias que a gente vai poder contar até ficar velhinhas, muitas vezes. Já ando repetindo minhas histórias mais vezes do que as pessoas agüentam, imagina daqui a pouco.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Ah, esqueci

Não comentei, aliás, que o livro dela de que mais gosto tem um sugestivo e reciclável título: "Ao homem que não me quis".

Sexta à noite com Ivana

Minha frenchmate ouve na sala um diálogo em japonês, estudando para a prova de proficiência. Eu, na cozinha, como o pão mais gostoso do mundo*, com um queijo estepe divino e chá inglês. Mas não é só em comidas maravilhosas que desconto a solidão que bateu. Deu tristeza? É hora de ler a Ivana de Arruda Leite, uma escritora que descobri recentemente, e com quem me identifiquei na hora. Já desci os dois livros que tenho dela da estante, entrei no blog enquanto a bateria aqui não acaba. Não agüentei, fui ligar a máquina na tomada pra poder continuar lendo. Conheço um monte de gente da turma dela, vou ter de dar uma de carepala como fiz com o Dani Umpi e falar com ela. Será que ela quer ser minha amiga?

* o pão mais gostoso do mundo é o ciabatta da Casa Santa Luzia.

O episódio Dani Umpi

Era uma vez eu em Buenos Aires, hospedada no albergue mais baladeiro do universo, conhecendo milhares de gringos legais e fuçando todas as livrarias possíveis e imagináveis. Numa antigona encontrei o tal "Tratado de Culinaria para Mujeres Tristes", que nunca mais saiu da minha cabeceira. E noutra um livro divertidíssimo, chamado "Sólo te Quiero como Amigo" (ahn, alguém já ouviu isso? teve um déja-vu?), de um escritor uruguaio chamado Dani Umpi.
Entre os tantos livros que comprei, veio esse também. Comecei e não parei nunca mais ler, rolando de rir. É sobre o fim de um romance de dois gays, que logo engatam em outros romances. Me diverti horrores e emprestei prum amigo que nunca tomou coragem de ler, temendo identificação imediata.
Eis que semana passada, esse mesmo amigo estava botando legendas nos filmes do MixBrasil e me convida para a festa de encerramento, que contaria com uma inédita performance de... Dani Umpi!!!! Como assim, minha gente? O fofo no Brasil?
Claro que nos abalamos para a festa no SescPompéia, com um penduricalho uruguaio que já conhecia o Dani (sublinho aqui a intimidade). Chegamos lá e começaram os perrengues. O guarda disse que a festa já andava pelo meio e que estava lotada. Mandamos o homem procurar nosso nome na lista, achou, ufa!
Chegamos lá e cantava minha ídola, fantástica, Angela Ro Ro. Fui falar com a Suzi, diretora do Mix, e eis que o show do moço já tinha acabado ages ago. NÃO! Mostrei o livro, fiz beicinho, e ela pediu pro produtor me levar no camarim onde estava Dani e ELKE MARAVILHA! Veja que privilégio, ainda vi a Elke lindona na minha frente. Me apresentei e logo mostrei o livro, pedi desculpas por não ter chegado a tempo do show, toda pobrinha. Ele ficou passado! Não acreditou que alguém no Brasil tivesse o livro. Mostrou pra todo mundo. E me deu autógrafos cheios de corações e o e-mail dele. E já trocamos vários e-mails felizes.
La la la la la
O Dani Umpi é meu amigo.
La la la la la

Jeitos cinematográficos de morrer 1

Penso que a maneira mais fascinante de se morrer deve ser a do personagem de Tommy Lee Jones, em "Cowboys do Espaço". Para ela, dou o nome de "morrer na lua".
Adoro esse filme de Clint Eastwood, em que quatro antigos astronautas são chamados para dar uma consultoria à Nasa, que tem que resolver um pepino gigante envolvendo um satélite russo totalmente obsoleto. Os quatro velhinhos orgulhosos e metidaços dão um truque na chefia e conseguem ir eles mesmos pro espaço, já que tinham sido preteridos lá na década de 60. Enfim, o filme é divertidíssimo, tem o Clint, o Tommy Lee e também o Donald Sutherland e o James Garner.
Fato é que depois de todas as idas e vindas, Hawk, que é o personagem de Tommy Lee, tem que ir pra Lua, numa viagem sem volta. É um momento cruel, intenso, mas ao mesmo tempo de realização profunda. Tudo o que ele sempre quis foi pisar na Lua e é lá que ele vai ficar, para sempre, olhando a Terra de longe... Pode ter imagem mais linda para ser a sua última do que essa visão do espaço?

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Cortázar na Apiacás

Quando ele chegou em casa o alarme tinha acabado de disparar. Era uma sirene forte, muito próxima. Podia ser do mercado ou do prédio em construção. Talvez do centro espírita. Mas tem alarme nesses lugares?
O som pára.
Entra em casa e vê a mulher largada no sofá, alerta, em frente à TV. Que estranho esse alarme, né? Agora que começou? Faz uns cinco minutos. O ruído volta. Começa assobiando e vai ganhando corpo até a estridência histérica que remete a uma tragédia brutal.
Foram encontrados cinco corpos carbonizados em um misterioso incêndio na loja dos supermercados Pão de Açúcar da Rua Apiacás, no bairro de Vila Pompéia. As vítimas ainda não foram identificadas.
Um intervalo de novo. Alguém grita um feladaputa de torcida de futebol. A mulher ri. Ó, o louco. Vai xingar o alarme? O som não pára mais. Diminui, parece que recobra o fôlego e volta. De novo. Vou lá fora ver. Ver o quê? Não tá ouvindo? Disparou um alarme. É, mas precisa ver de onde é, se é de incêndio. Senão a gente não sabe se liga pra polícia ou pros bombeiros. O barulho cede, a gata estremece, parva de medo. Os vizinhos estão todos na calçada, de roupão, chinelo. Vou lá fora. Pra quê? Já passa. O marido sai, a mulher se ajeita no sofá com a gata, que se eriça toda quando o barulho retorna, agudinho de novo. No fundo, o burburinho dos vizinhos, uma movimentação de carros. Ela abaixa o volume da TV, que já não se ouvia. A sirene então cessa e dá lugar ao silêncio absoluto. Ela sorve a surdez repentina, com alívio. O silêncio persiste.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Happy again

Calor cardíaco
Ventricular
Sem gargalhadas
Sem gritos
Sem espanto
Felicidade assim
Sem euforia

Mediunidade social

As pessoas me contam suas vidas. No ponto do ônibus. Na Recoleta. Na fila do banco. Às vezes, numa troca de olhares, elas me contam tudo. É um tipo de dom, como se fosse uma mediunidade. Antes era descontrolado, como a mediunidade que se manifesta nas situações mais inapropriadas. Mas aos poucos vamos aprendendo a controlar, deixamos que se manifeste só na hora certa. Aprendemos a desviar olhares, rechaçar apelos e solicitações extremas de atenção. Ouvir pessoas carentes consome tanta energia quanto incorporar um espírito.

domingo, 28 de outubro de 2007

Musas e divas

Cibelle tem 24 anos, é paulistana, mora em Londres e faz um som incrível. Grande surpresa no Tim Festival frustrado, já que a Feist que eu queria tanto ver não veio. Mais do que a música, uma grata surpresa. Cibelle é engraçada, autêntica. Tenho a impressão de que há um tanto de auto-reconhecimento no tanto que gostei dela. Lembranças de que se pode ser livre e não se preocupar com o que os outros vão pensar, de que não é preciso ser igual a todos os outros para ser alguém. Obrigada, Cibelle, por me lembrar disso tudo.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Mãe é mãe

Depois que eu resolvi que mãe é mãe, está ficando cada vez mais divertido conversar com a minha, e com o meu pai também. Ontem demos boas risadas depois de eu confessar que gastei o dinheiro que eles me deram de aniversário num mapa astral. Em outros tempos eu negaria até a morte. Em outros tempos eu jamais faria um mapa astral.
Aí fui tentar explicar que tinha sido ótimo, que a astróloga é psicóloga e que nos demos superbem, que estou vivendo um momento legal bla bla bla. Daí conversa vai, conversa vem, e eu falei que estava me sentindo cada vez melhor e que quando eu estivesse preparada ia aparecer alguém legal, e todo aquele papo. Porque o assunto sempre acaba em homem, ou na falta de um.
É quando minha mãe se sai mais uma vez com uma daquelas: - Mas você precisa cuidar de sua aparência. Você usa alguma coisa no cabelo que não fica bom, parece sujo e opaco.
Meu cabelo é preto como a asa da graúna e enrolado. Nem sempre é um cacheado bonito, mas graças a esses leave-ins que minha mãe acha que ensebam o meu cabelo hoje eu gosto dele muito mais dele. Eu não vou dizer jamais porque estou mudando tanto que posso pagar a língua, mas tenho zero vontade de fazer chapinha japonesa. Estou muito bem obrigada com o meu cabelo. Mas minha mãe, que tem cabelo liso, não entende que cabelo crespo não se escova.
Foi engraçado, mas um pouco melancólico. Foi um deja-vu. E como eu não consigo não pensar no assunto e deixar pra lá, hoje não passei o leave-in. E o bicho tá rebelde feito a juba da Gal Costa.
Pra resumir a história, vou ter de fazer uma daquelas minhas sínteses jornalísticas cruéis, que minha família e alguns amigos odeiam: Minha mãe acha que eu não arrumo namorado porque não uso terninho e não penteio o cabelo.
E eu ainda me importo com a opinião dela...

Melhor de três

Três coisas que eu detesto (não são tantas ao todo) e três das muitas que eu adoro:
Eu detesto:
- A Vila Olímpia
- A combinação de publicitários e Carnaval na Bahia
- Cartórios em geral

Eu adoro:
- Meu carro novo
- O som do meu carro novo
- O André, que me deu o som do meu carro novo

(Ontem levei quase duas horas pra ir de Pinheiros à Vila Olímpia, todos os estacionamentos estavam lotados e custavam 10 pilas a hora, mas o que me salvou da loucura foi o fato de estar ouvindo música. Salve Chico Science!)

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Diálogos Improváveis I - O medo americano

- Eu bem que gostaria de ter um trauma, sabe? Pra mim, trauma é meio de vida. "Ah, eu não dirijo porque tenho um trauma". Medo também. "Ah, não viajo de avião porque tenho medo", "Não atravesso o viaduto porque tenho medo".
- Ah, mas você deve ter algum trauma. Você não é normal...
- Não é disso que estou falando, seu bobo. É dessas coisas que limitam a vida da pessoa. Eu não tenho nada disso, até acho muito conveniente, mas não tenho.
- Sei, essas coisas incapacitantes...
- É. Você, por exemplo. Tem medo de mariposa. Até grita de medo, sai correndo do quarto. É disso que eu tô falando.
- Bom, é, mas veja bem... O problema é que isso desencadeia uma crise.
- Como assim? É incrível, você tem medo de mariposa mas não tem medo de barata.
- É que barata eu posso matar. Porque eu tenho um medo americano de mariposa, mas não posso matar, porque as pessoas dizem: "ah, coitadinha, é um bicho que não faz mal a ninguém..."
- Medo americano? Como assim?
- Medo americano, essa vontade louca de matar. Americano não mata tudo que dá medo neles? É assim.
- Hahahahaha. Entendi. Você tem um medo americano de mariposa, mas tem culpa de matar.
- É.
Pois é, esse é o meu primo André.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Da doçura da alcachofra

Primeiro você vai tirando cada uma das folhinhas, molhando no azeite com sal. Uma por uma, até chegar aos espinhos. Depois você pega um chumacinho de cada vez, molha no azeite com sal, e chupa pra não perder nada. Vem então a grande recompensa. Se a alcachofra ficou inteira, sobra o fundo côncavo, maciço, que faz ventosa no prato. Aí você come aquilo em mordidinhas bem pequenininhas, pra degustar cada pedacinho. E depois de acabar, vem a parte mais surpreendente. É só tomar um gole de água para detonar uma outra gama de sabores, doces, um contraponto incrível ao sal e ao leve amargor da estranha flor.

domingo, 7 de outubro de 2007

A vida, por Itamar Assumpção

Viver é risco preciso
Verbo transitivo estranho

A vila II

O texto anterior já estava escrito há algum tempo, quando eu ainda editava a revista Urbs e comecei a me interessar mais por urbanismo. Me lembrei dele depois da experiência incrível que tive ontem, num elo perdido existente em São Paulo chamado Vila Maria Zélia.
É uma antiga vila operária, construída por uma indústria têxtil que não existe mais, no bairro do Belenzinho. São 4 ruas por 5, com casas que já foram muito mais simples mas que foram sendo reformadas. A cara é de bairro, e não de condomínio. Ninguém é obrigado a pintar a casa de bege. Apesar da portaria, todo mundo pode entrar. Tem uma igreja com missas regulares e um antigo armazém se transformou em residência para o Grupo XIX de teatro. Tem uma praça arborizada, uma cancha de bocha num salão comunitário, um campinho de futebol.
Apesar de ser um verdadeiro enclave, o espírito é totalmente diferente de um condomínio. A maioria dos moradores descende dos operários originais e cada casa que é posta a venda é logo oferecida a um parente. Claro que o isolamento confere segurança às crianças que brincam na rua até tarde da noite, mas o lugar é tão agradável que com certeza segurança não deve ser o fator que as mantém ali.

A vila I

“Considere agora os projetos de reurbanização das cidades: residências de renda média e alta que ocupam grande extensão do solo urbano, vários quarteirões antigos, com terrenos e ruas próprias para atender a essas ‘ilhas urbanas’, ‘cidades dentro da cidade’ e esse ‘novo conceito de vida urbana’, como dizem os anúncios sobre eles. Aqui, a prática é também demarcar o Território e deixar de fora das cercas as outras gangues. Antes, as cercas nem eram visíveis. Os guardas eram suficientes para garantir a fronteira. Nos últimos anos, contudo, as cercas tornaram-se concretas.”
O trecho acima foi retirado do livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”, da jornalista e estudiosa do urbanismo Jane Jacobs, e foi escrito em 1961. Começavam os grandes projetos de reurbanização dos subúrbios norte-americanos, que só chegaram no Brasil tempos depois e são cada vez mais populares. Cada vez mais pessoas optam pelo isolamento e pelo território demarcado, para escapar da “violência”, do “medo”, em busca de “segurança”. Em tudo isso me lembra o filme “A vila”, de M. Night Shyamalan, que parece que passou batido da maioria das pessoas, mas que achei genial, porque ataca justamente esse ponto. Em vez de combater o medo do outro pela compreensão, a segurança é buscada no isolamento. E daí vem outra frase do mesmo livro: “E quem pode garantir que todos os milhares que por direito estão dentro do forte sejam confiáveis no escuro?”
É exatamente essa a história do filme. Um grupo de pessoas vive em uma aldeia cercada de um bosque que funciona como limite do território. Ninguém pode passar dali, sob pena de serem invadidos pelos seres do outro lado, vizinhos temíveis que ninguém sabe dizer se são humanos ou monstros. A comunidade vive muito bem, de forma auto-sustentável, sob dogmas e preceitos que passam de geração em geração. Mas a ordem só pode ser mantida pelo medo. E é claro que isso não dura muito tempo, porque – mais uma vez cito a Jane Jacobs – “O planejamento urbano ortodoxo está muito imbuído de concepções puritanas e utópicas acerca de como as pessoas devem gastar seu tempo livre, e, na área do planejamento, esse moralismo sobre a vida pessoal confunde-se com os conceitos referentes ao funcionamento das cidades”.
Essa visão autoritária sobre como deve ser a vida das pessoas, que muitas vezes vem aliada a utopias, já fizeram a minha cabeça. Eu sinceramente acreditava que as pessoas poderiam chegar a um acordo e agir todas da mesma forma, vivendo numa comunidade em paz e tranquilidade. Um pouco daquela visão das comunidades da década de 70, que pregavam o amor livre. Ninguém é de ninguém, todos compartilhamos o pão. Daí eu me lembro daquele outro filme que adoro, o sueco “Bem-vindos”, de Lukas Moodysson, que mostra uma comunidade hippie na década de 70. Tudo vai muito bem até que a mulher do próximo resolve dar pra todo mundo menos pro companheiro, que apesar de ser o cara mais cordato do universo também acaba se irritando.
Essas utopias são fundamentais numa fase da vida, mas na hora do vamos ver não funcionam. Hoje em dia acho que menos ainda, porque as pessoas estão ainda menos dispostas a deixar seu ego de lado em prol do bem comum. A terapia nos ensinou que temos de fazer valer nossos direitos e brigar por nossas vontades, e assim essas utopias realmente não passam mais pela cabeça de ninguém. E com o passar do tempo as pessoas passam a tentar se proteger do “outro”, unindo-se aos seus iguais em condomínios de luxo, de muros altos, portarias e crachás.
De uma forma ou de outra, nem todos serão cordatos por muito tempo. Nem todos estarão imbuídos do espírito que os reuniu ali. Os jovens usam drogas, independente da altura do muro, e isso nem sempre é um problema – mas às vezes é. Para compensar o confinamento, os pais se tornam mais permissivos e há sempre histórias de garotos de moto que atropelam crianças nas ruas tranqüilas dos condomínios.
Surgem novas proibições e em seguida novas formas de burlá-las. A superproteção gera pessoas mais inseguras. Da tentativa de evitar o sofrimento, surgem pessoas despreparadas para os problemas mais insignificantes. Tudo isso para dizer que a vida e a liberdade dão um jeito de se manifestar, se as regras feitas para manter a ordem são autoritárias e moralistas.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Olhando de través

Notícias antigas me chegam depois de meses. O passado ronda, como uma dessas pombas-rato da metrópole, que aparentemente são espertas mas, de vez em quando, dão mole e são atropeladas no asfalto. Cante comigo, na versão do Jakob Dylan, por favor.

I'm looking through you
(Beatles)

I'm looking through you, where did you go
I thought I knew you, what did I know
You don't look different, but you have changed
I'm looking through you, you're not the same

Your lips are moving, I cannot hear
Your voice is soothing, but the words aren't clear
You don't sound different, I've learned the game.
I'm looking through you, you're not the same

Why, tell me why, did you not treat me right?
Love has a nasty habit of disappearing overnight

You're thinking of me, the same old way
You were above me, but not today
The only difference is you're down there
I'm looking through you, and you're nowhere

Why, tell me why, did you not treat me right?
Love has a nasty habit of disappearing overnight

I'm looking through you, where did you go
I thought I knew you, what did I know
You don't look different, but you have changed
I'm looking through you, you're not the same

Autodefinição de aniversário

Cada vez mais Nouvelle Vague: punk por dentro, metida a bossa nova por fora.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Questão vernácula

Não confunda auto-estima com falta de autocrítica.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Comigo não

"Eu percorrera a mesma estrada poeirenta e tortuosa em busca da fé. Mas sempre que eu ouvia uma história de fé, sempre que encontrava um novo guru, o resultado era o mesmo - a história era pouco convincente e o guru, espúrio. Cada fé exigia que eu assumisse um compromisso. Cada mestre exigia que eu fechasse os olhos para alguma falta", Shantaram, de Gregory David Roberts, p. 332.
Ontem me lembrei de quando e porque comecei a questionar de verdade as religiões constituídas, principalmente a católica. Foi por causa dos três primos de quem eu gostava tanto e que entraram na Opus Dei. Três pessoas talentosas, lindas, queridas, que viraram fanáticas religiosas. Uma delas me disse, uma vez, no auge do meu esquerdismo, que elas faziam um trabalho fantástico levando adolescentes de Alphaville para conhecer a favela. Não sei se ela teve coragem de me dizer com todas as letras, ou se foi mais uma das minhas interpretações quase literais, mas em resumo ela dizia que os ricos também precisam salvar suas almas. Depois dessa, desisti de entender religiões e religiosos.

Quintana para jornalistas

Eles passarão
Eu passarinho
Vós, passaralho

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Radiologia dá dinheiro

Acabei de ver uma coisa incrível! O Dr. House acabou de abrir uma maleta e tinha uma revista Diagnostic Imaging. Por onde andará minha amiga Alexa Weber? Era tão divertido escrever matérias de radiologia pra revista latino-americana e receber chequinhos de dólares pelo correio... Ai que saudade da minha conta bancária naquela época...

A predileta

Não há ninguém como Ivana. Já tinha ouvido o nome, mas descobri sua existência de passagem pelo Canal Futura, onde ela dava uma entrevista. No dia seguinte, comprei dois livros. Li de uma sentada. Comprei mais um. Dei outro de presente. Vá ser amargurada assim no inferno. Está perto o dia de eu me declarar para ela. Vou encomendar um texto pra revista da Programadora.

A espera

Faz tempo que não escrevo
Do trabalho ando fugindo
Talvez seja esse desejo
De um diabo que me carregue
Ou de um ET que me abduza

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Lagriminhas

Nem me lembro qual foi a última vez que chorei de dor. Nunca quebrei braço nem perna, nunca tomei pontos, nunca passei por cirurgia, não tive um parto. Posso ter dado alguma topada, prendido o dedo na porta, batido a cabeça. Mas nada de que me lembre como um momento de dor.
Verter lágrimas de emoção, porém, é uma experiência quase diária. Sou daquelas que chora em comercial de margarina. Nesses casos, entretanto, já estou treinada. Em poucos segundos refaço o raciocínio de tudo o que está por trás daquilo, do produto que estão vendendo, enfim. Mas músicas, filmes, programas de TV, qualquer manifestação de felicidade ou de tristeza, são motivos suficientes para sentir a lagriminha vindo. Começa no canto do olho e se o racional não acode, se espalha olho afora, em pingos grossos, e por aí vai.

Faça o que eu falo...

O maior problema das pessoas que realmente têm fé em alguma religião, para mim, é que em função de sua fé, deixam de lado uma das principais virtudes do ser humano: a tolerância. Sempre que alguém tenta me convencer de que uma religião é melhor do que a outra, isso falando das religiões às quais temos mais contato, as ditas ocidentais, fico pensando no que essa pessoa faria se a filha decidisse se casar com alguém de outra "raça" (se é que isso existe), ou com alguém de outra religião.
Foi principalmente o que pensei no curso de batismo, que fiz pra batizar a Laurinha. O homem que fez a palestra falou que hoje em dia a maioria das pessoas pensa em batizar o filho por uma questão social. E que na verdade o batismo é a porta de entrada para a religião católica. Por isso, os padrinhos também deveriam professar a mesma religião. Achei muito razoável, apesar de não professar o catolicismo. Mas se os pais querem que a filha seja católica e me escolheram, é porque tenho algo a ensinar. E no meio de alguns comentários muito lúcidos, eis que o instrutor do batismo solta algumas pérolas de intolerância.
Não, eu não professo o catolicismo, não me interesso por nenhuma religião oficial. Talvez até por levar as coisas muito a sério. Se fosse para ter religião, seria das que freqüenta mesmo, se envolve com trabalhos comunitários. Porque se tem uma coisa na qual acredito é no segundo mandamento, amar ao próximo como a si mesmo. Se as religiões ensinassem isso antes de dar tanto valor ao primeiro, amar a deus sobre todas as coisas, talvez o mundo fosse bem melhor. Será que o problema não é excesso, em vez de falta de religião?

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Primo irmão

Antes as pessoas tinham primos e primos-irmãos. Me disseram que o primo-irmão era o de primeiro grau. Mas não pode ser que seja só isso. Pra ser primo-irmão é preciso ser irmão, muito mais do que ser filho do tio, ou da tia.
Eu tenho um assim. A cada nova conversa, eu falo menos. Ele já entendeu tudo.

Com hora marcada

Meu tempo anda tão contado, faço tanta coisa ao mesmo tempo, que dei pra saber a hora exata em que fico doente.
Anteontem me toquei que estava com dor de garganta às 14h38. Antes do almoço não estava sentindo nada. Voltei, engoli e lá estava a garganta raspando.
Doutra vez, era mais pro final da tarde, mas foi a mesma coisa: de uma hora pra outra me descobri gripada.

domingo, 19 de agosto de 2007

Adolescência demais

Quando falo que hoje há um excesso de alegria, não quero bancar a chata estraga-prazeres. Me refiro também à obsessão pela adolescência, que é outro reflexo do mundo líquido.
Lindo isso que diz Ian McEwan em "Na Praia", seu último livro, que já devorei:
Este ainda era o tempo – que terminaria naquela década célebre – em que ser jovem era um estorvo social, um sinal de irrelevância, uma condição ligeiramente embaraçosa para a qual o casamento era o começo da cura.
Foi nessa época, a década de 1960, que inventaram que era melhor ser forever young. Aí todo mundo lembrou do Peter Pan e decidiu viver na Terra do Nunca. E hoje é um estorvo ser adulto.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

A alma e a pena

Sem falsa modéstia, acredito de verdade que minha alma não é pequena. Mas hoje em dia me parece que nem tudo vale a pena. Por causa dessa expressão, dita inadvertidamente, meu ânimo evaporou nos últimos dias.
Faz um tempo que ando questionando coisas no meu trabalho, tão cansada, tanta responsabilidade, tanta cobrança... E eu estava animada com esse projeto, que já faço há anos, todo ano, e sempre me estressa muito. Apesar dos horários malucos, do monte de refações, do desleixo das pessoas, este ano eu estava muito feliz com os resultados.
Até que o rapaz que está trabalhando para mim comentou, depois que eu tinha feito um discurso pra explicar porque que tanta coisa dava errado, sempre: "Bom, se vale a pena..." É onde eu me pergunto: mas vale? Sei não... não é tudo que está valendo a pena, não, viu, Pessoa.

domingo, 5 de agosto de 2007

Homens e hobbies

Conheci um médico que tinha construído um quarto especial em sua casa para abrigar uma coleção de trens elétricos. Radiologista respeitado, tinha até um bonezinho de chefe da estação, várias locomotivas, vagões com os mais diferentes tipos de carga, e passava horas ali, vendo o brinquedo rodar (de boné). Outro que até já citei tem um apartamento com autorama e um videogame desses que você senta e tem uma direção para pilotar.
Minha prima namorou um figura que tinha não só um, mas dois hobbies – construía aeromodelos e tinha um aquário gigante. E para se concentrar mais e melhor naquilo, fumava maconha. Horrores. Conclusão: vivia esquecendo que tinha combinado de encontrá-la. E ela ficava lá no sofá até se encher, então vestia o pijama e ia dormir. Nem um telefonema.
Por que as mulheres não despertam a mesma paixão dos hobbies? Por que nenhum homem (não que eu conheça) esquece da vida explorando, descobrindo, dia após dia, ano após ano, todas as nossas minúcias e todas as nossas contradições?
Tudo o que a gente queria era alguém que prestasse atenção nos nossos detalhes, assim como presta atenção no solo de guitarra, nas jogadas de mestre de futebol. Alguém que conseguisse lembrar de pequenas coisas de que gostamos da mesma forma que lembra de todos os estados dos Estados Unidos (em ordem alfabética), de todas as capitais da Europa, de todos os anos em que o time foi campeão.
Mas não rola, né? Estou mapeando esses impossíveis para parar de sonhar com o que não existe. Funciona.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Alteridade

Acordo
Domingo

Os mesmos ruídos
Os cachorros da vizinha
O ônibus que sobe

Os mesmos cheiros
Do cigarro da zeladora
Da chuva da madrugada

A mesma luz cor de laranja
Do pouco sol
Na minha cortina

Tudo igual
Menos essa respiração ao meu lado
Provisória

Haicai

Do sarcasmo
Pinga amargura
E ácido clorídrico

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Sapatos, sapateiros

Nunca ouvi uma explicação satisfatória para a paixão das mulheres por sapatos. Eu mesma não sei explicar. Eu bem que gosto, não chego a Imelda Marcos mas gosto de variedade e conforto. Não sou do tipo tacones lejanos, nem a Carrie, que dava quatrocentos dólares num Manolo. Mas tenho um cuidado especial com os meus. Já teve tempos em que eu passava a manhã de sábado engraxando um por um. Levava todos para o quintal, ou a área de serviço, e primeiro engraxava os pretos. Daí lustrava. Então os marrons. Depois os coloridos.
Hoje não tenho mais tempo, também falta paciência. Então levo aos poucos numa sapataria perto de casa. O prazer é o mesmo, de conservar, de saber que posso usar de novo. Os meninos sapateiros trabalham com tanto gosto e o resultado é sempre tão bom que é melhor do que se eu tivesse feito. São rapazes novos, de 20 e poucos anos. São vários e todos dão a impressão de gostar do que fazem. É difícil ver isso. Talvez eles saibam porque as mulheres gostam tanto de sapatos.

domingo, 15 de julho de 2007

Fome de impossíveis

Um dos meus textos favoritos desse livrinho fofo, o "Tratado de Culinaria para Mujeres Tristes". Vai lá, em tradução minha:
Essa tendência a trair, a mentir e a ser totalmente franca. A esconder-se ou a mostrar-se demais. Esse cuidado de cuidar-se tanto para acabar contando sua história, sua verdade tintim por tintim, a um desconhecido. Essa vontade de fugir, de sair correndo quando alguém mostra que começa a conhecê-la, mesmo que não demonstre. Essa vertigem de ficar. Essa indomável sede de alguém e de não estar com ninguém. Essa fome de impossíveis. Como pensar com essa confusão contraditória? É verdade e mentira, está tudo bem e tudo mal, e não há saída.
Nada a fazer. Toma um copo de água.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Procurando a minha turma

Eu me vejo lá, num corredor super claro, no apartamento mais masculino que já fui. Numa sala, bateria e outros instrumentos musicais. Noutra, um autorama gigante. Cinco minutos antes, estava sentada no braço do sofá, olhando para a minha vizinha que conversava com dois meninos. Hic. Hic.
Olhei para um deles, 20 e poucos anos, e disse: “Estou com soluço. Faz esse soluço passar”. Assim, sem ponto de exclamação. Ele me pegou pela mão e me levou até o corredor, e ali me beijou meio afoito, mais dente que língua. Terapêutico. Passou na hora.
Meia hora antes estava no casamento do meu melhor amigo de faculdade. Segundo casamento, verdadeiro, maduro, felicidade que só. Muitos da antiga turma também estavam no segundo casamento. Meu ex inclusive. Não sabia se ia e de repente estava lá, com a nova mulher, dez anos mais nova que eu. Outros também, da mesma turma só de homens, tinham trocado as mulheres da turma por outras, a maioria mais novas.
É porque chega uma hora que eles param no tempo. E a gente envelhece sozinha. No que parou, vai encontrar a felicidade naquela que fomos, muitos anos antes. E nós nos vemos em corredores claros ou quartinhos escuros, sem nos atrever a perguntar a idade do outro.

A gente muda

Uma das minhas melhores aquisições buenosairinas foi um livrinho muito simpático intitulado "Tratado de Culinária para Mujeres Tristes". Voluminho capa mole safado, mas pertencente a uma coleção bacana de pockets, como não existem aqui.
O autor colombiano se chama Hector Abade Faciolince e dedica o livro a suas cinco irmãs. É uma coisa fofa, com receitas de mentirinha e uma boa dose de melancolia. Claro, a linha fina é Repentinos antídotos para la pertinaz melancolia.
Nunca pensei que fosse ficar assim. Não tem nada a ver com depressão. É só uma tristeza muito funda, que eu não sabia que existia, mas estava lá o tempo todo. Procurando o nome do autor, encontrei um blog que tem exatamente o nome do livro, em português. É um blog de receitas e a autora parece saber bem do que estou falando.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Ai de nós, balzaquianas

Querida Raquel,
Assisti o filme "As Aventuras de Azur e Asmar", de Michel Ocelet, como você me recomendou. Realmente é maravilhoso. As animações são lindas, as cores são únicas. Lindo de morrer.
Mas você sabe que meus pensamentos vagam por caminhos tortuosos. A moral da história, para mim, é mais prosaica, passa ao largo dos profundos problemas raciais da humanidade. Quando o filme acabou só consegui pensar que, depois de uma certa idade, podemos ser super lindas e poderosas, mas para nós só sobra o Crapoux.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Mão na massa

Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. Uma das melhores coisas a se fazer nesses dias é cozinhar coisas bem complicadas. No domingo, fiz gnocchi. Um atrevimento. Por isso é que fiz sozinha, pra mim, sem alarde. Depois que minha avó adoeceu, ninguém mais se tomou dessa ousadia. Foi com um misto de medo e rebeldia que procurei a receita na Internet. Mais rebelde fui ao trocar as batatas por mandioquinhas.
Encontrei a de uma banqueteira famosa, confiável. Descasquei as mandioquinhas. Botei para cozinhar. Bati no processador. Passei para uma vasilha e começou então a parte difícil, que é dar ponto na massa. Pouca farinha, não dá para enrolar. Com muita a massa fica dura, pesada. Amassei, amassei. Não fiquei muito confiante, mas arrisquei.
Fiz os rolinhos, fui cortando. Essa é a parte terapêutica, mas exige um pouco de prática. É como brincar de massinha, mas depois de anos sem a prática os rolinhos ficam achatados, feinhos. Cozinhei aos poucos, como manda a receita e não como fazia minha avó, que era bem experiente mas um tanto imprudente. Tudo com ela era rápido, nunca perfeito. Delicioso, nunca lindo.
Ficou bom. À noite me enchi de coragem e levei para duas amigas experimentarem. Elas aprovaram. Mas ainda não é o gnocchi da minha avó. Quando a batata conspirava a favor, eles quase saíam voando da vasilha de tão levinhos... Um dia eu chego lá.

Pobres príncipes

Lulu está convencida de que a culpa de toda a nossa agonia é dos contos de fadas. As mulheres foram criadas para esperar o princípe encantado. Se ele não vem, ficamos frustradas. Mas afinal o que de tão especial têm esses princípes? A gente só ouviu dizer que eles foram lá, salvaram as moçoilas e daí os dois viveram felizes para sempre. Como era essa felicidade, ninguém contou.
Se a gente reparar bem, esses princípes são bem meia-boca. Nem seus nomes a gente sabe... Estava aqui tentando me lembrar. Como chama o príncipe da Branca de Neve? E o da Cinderela? E o da Bela Adormecida? Nenhum deles tem nome. São todos uma massa amorfa, sem nenhuma personalidade. Quando têm algum diferencial, como a Fera, é porque foram vítimas de um feitiço e quando são desenfeitiçados viram o mesmo príncipe sem graça... É verdade, Lulu. Temos que começar a preparar as novas gerações de mulheres. Mas o que é que a gente vai dizer?

terça-feira, 10 de julho de 2007

Eu explico

Não, não fui eu que inventei essa idéia de mundo líquido que está no título do blog. E também não estou me referindo à Terra, planeta água, da música do Guilherme Arantes. É o filósofo polonês Zygmunt Baumann que assim descreve o momento em que estamos vivendo. Ele acredita que pós-modernidade é um nome muito básico (quase preguiçoso, certamente provisório), que não diz muita coisa.
Então usou esse termo, líquido, no sentido de fluidez, principalmente no que se refere aos relacionamentos humanos. Tudo passa, as pessoas passam pela vida das outras, os casamentos passam. Tudo é pautado pelo consumo e por isso logo nos cansamos das pessoas e partimos para outra, outras.
Nada cria raízes, tudo vai ao sabor da maré. E eu, que não tenho nada de água no meu mapa, fico à deriva, engolindo água, tentando me manter na superfície e torcendo pra aparecer uma ilhota ou pra um vento me levar pelos ares.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Escravos da alegria

Tinha essa música, cantada pelo Toquinho, em que ele dizia que andava escravo da alegria e que, naquela época, isso não era normal. Claro, devia ser época da ditadura, era até indecente ficar tão alegre, mesmo apaixonado. Mas hoje ficou vergonhoso sentir tristeza. Só quem é paciente psiquiátrico e toma tarja preta tem o direito de andar triste e cabisbaixo. O resto da população não pode. Tem que pular carnaval, gargalhar no boteco tomando cerveja até de manhã, tomar ecstasy e virar gasparzinho. E o pior é que exportamos essa imagem para o mundo.
Chego em Buenos Aires, é janeiro, e a gringolândia só quer saber onde vou passar o carnaval. Em casa, criatura, em São Paulo, no cinema, feliz da vida, cidade vazia. No máximo pegando uma piscininha no sítio, tomando um solzinho de leve. Ninguém acredita. Mas você não é brasileira? Sim, e daí? Já pulei carnaval, já até gostei de axé, mas perdi a vontade depois que isso virou obrigatório. Explico pro gringo, que é inglês mas dá aula de literatura na Coréia e não cabe em si de contentamento de estar indo passar o Carnaval no Rio (ou na Bahia, enfim...): "Carnival is the dictatorship of happiness, you know? It's too much happiness for me". Ele não se faz de rogado: "Well, I call handle..." Aproveita, gringo, aproveita que nessa terra gente de fora sempre foi melhor tratado do que os nativos.

Detalhes tão pequenos

– Não, não é assim que funciona. Não consigo olhar para alguém e dizer, ah, vou paquerar esse aí. Não dá, se eu não conversar não rola.
E às vezes, no meio da conversa, eu reparo que ele tem um dente torto. Ou uma cicatriz. Ou uma sobrancelha mais levantada do que a outra. Aí eu fico adorando aquilo, aquele detalhe. E depois de muito tempo, quando tudo acabou, é só lembrar desse defeitinho que tudo volta.

O post é a nova faixa

Pede-se que a mulher que segunda-feira última, às sete horas da noite, ao passar diante da floricultura do número X da rue Tronchet, voltou-se para olhar o homem que estava diante da porta, apresente-se.

Marguerite Duras se lembrou desse anúncio classificado de jornal em um texto publicado na Cahiers du Cinema (e republicado no Brasil num livro chamado Os Olhos Verdes). Lembrou do anúncio para contar que uma vez um filme seu estava em cartaz e uma mulher passou em frente ao cinema e disse ao marido que queria ficar. Duras ficou com vontade de publicar um anúncio e encontrar essa mulher, saber o que ela tinha achado do filme, já que entrou tão inadvertidamente.
Quando eu era adolescente não tinha blog nem celular e tinha gente que mandava fazer uma faixa e pregar na rua, e ficava esperando a resposta do grande amor perdido. Hoje só fazem isso pra cachorro. Só tive vontade de fazer isso uma vez, depois do show do The Cure. Queria achar o estudante de administração que me beijou. Inda bem que não paguei esse mico. Já disse, eu temo o ridículo.

Breu, barrilha e parafina

As fichas dos clientes ficavam arrumadinhas no fichário, preenchidas com aquela letra linda, rebuscada, calcada forte, de se ver do outro lado. Breu, barrilha, parafina e um monte de outros produtos químicos. Meu avô, com seus óculos fundo-de-garrafa, de aros grossos, atendia ao telefone dizendo "Alão". Telefone preto, número de seis dígitos. Todo dia no telefone, comprando, vendendo. Só no sábado não tinha breu, barrilha e parafina. Dia de feira, tinha pastel de carne e suco de revolvinho.

Só eu me lembro

Mais uma revista querendo salvar o Brasil. Foi só começar a ler e veio de novo aquele dèja-vu. Revistas novas de patotas velhas. Pensei logo, será que essas pessoas não têm assunto? Não tem amigos?
Pouca gente tem amigos como a Raquel. Com ela eu não só converso. Eu até jogo videogame. Eu vejo coisas. Saturno, por exemplo, foi ela que me mostrou. Ela me fala sobre a filosofia sufi, com muito cuidado pra não me assustar. E eu conto histórias intermináveis de pessoas novas e de outras, que só eu me lembro. Só no quintal da casa dela tem planetas e estrelas. Lá também tem uma esteira de frente pra lua, onde toda conversa é nova.

De pai para filha

– Eu não tenho blog porque não gosto de me expor.
- Ah, vá. Eu não tenho nada a esconder.
- E eu não tenho nada a dizer.
Meu pai é que nos ensinou assim, que passar ridículo é a pior coisa que pode acontecer. Nunca vi alguém com mais medo do ridículo do que meu pai. Quando estava na escola, a professora o obrigada a solfejar. Os colegas tinham todos de sair da classe, senão ele não cantava.