quinta-feira, 14 de maio de 2009

Um elogio doce

Num dia recente e muito feliz, ouvi um dos melhores elogios que já recebi. Tinha acabado de montar um livrinho com os primeiros poemas da minha safra, primeiros de toda a vida, eu que nunca tinha escrito sequer um batatinha-quando-nasce cover. Com o livrinho na mão, venci uma verdadeira batalha, passei por cima de legiões de soldados da autocrítica, e li um poeminha alto, com o rosto vermelho de vergonha e a voz embargada.
Quando acabei, uma pessoa que estava na sala disse que quando ouviu o poema lhe veio à cabeça a imagem daquela balinha antiga, que tinha desenhinhos no meio, muitas vezes uma florzinha. Eram umas balinhas que vinham em vidro, sempre com as bordas raiadas de verde e rosa e no centro um desenho pequeno. As tais balinhas sempre me intrigaram, porque eram tão lindas e eu nunca soube como se fazia.
Descobri a foto no blog Panela de Cobre, onde o autor menciona que são fabricadas por uma empresa chamada Galo Doce, a mesma que faz aquelas balinhas azedinhas que imitam um gomo de mexerica.
Fala se não é muito fofo parecer essa balinha?

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Chuchu no fio

Na minha rua tinha um chuchu. Sabe-se lá quem foi o incauto que jogou uma semente de chuchu naquele quadradinho de terra da árvore frondosa que protege o ponto de táxi, bem aqui na esquina.
A trepadeira intrépida subiu pelo caule, se enroscou toda na copa e ganhou o fio de alta tensão. Enrolando-se exatamente como o fio se enrola em si mesmo, deu um colorido extra - e algumas folhas - a toda aquela aridez.
Por mais de dois metros de extensão a trepadeira cresceu enrolada e então decidiu dar frutos. Nasceu um chuchu bem no meio do fio, a mais de quatro metros de altura, entre o telhado da pizzaria e o ponto de táxi.
Feliz da vida, o legume vê o mundo de cima, observa os frequentadores do bar em frente e confirma o quanto a voz do povo não se engana. Chuchu dá mesmo em qualquer lugar.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Temporal

O vento latente inquieta. Ainda nem começaram as rajadas e todos já estão eletrificados. As coisas caem sem porquê. A xícara entorna sozinha o café com leite sobre a camisa recém vestida. A vassoura ensaia um voo improvável depois de um chute de leve e derruba o vaso. Os gatos eriçam os pelos e se escondem no fundo dos armários.
As árvores aproveitam para fazer a faxina geral e desprendem as folhas de outono e a galharia seca. As mais antigas, incrustadas de cupins, se acautelam. Foi em outra ventania como essa que a outra caiu, arrastando fios elétricos e arruinando carros.
As pessoas correm sem pressa, só para fugir desse peso suspenso, dessa ânsia espantosa. O clima de iminência é tanto que contagia também a rede elétrica e um transformador explode na minha frente, deixando o bairro todo no escuro.
Aí vem a chuva. Começa com pingos grandes e esparsos, transforma o dia em noite, levanta o cheiro da terra por baixo do asfalto. Alívio provisório. Depois, caos.

domingo, 3 de maio de 2009

Instruções para tomar um ônibus

Caminhe até o ponto de ônibus mais próximo, de preferência em saltos altos e meias-calças cor-da-pele, sob o calor abrasador de uma manhã de verão de São Paulo.
Durante o trajeto, deixe o salto penetrar em um dos inúmeros buracos da calçada, de modo a desgastar-lhe o couro ou a cortiça, sem, contudo, dar-se ao trabalho de quebrá-lo. Bastam algumas imprecações e a dúvida: Volto ou não volto?
O calor é grande, o caminho já vai pelo meio, melhor tocar adiante. Agradeça o fato de a meia ter-se mantido intacta.
Ao chegar ao ponto, torça para haver um assento ou ao menos uma parede em que se apoiar. Em não havendo, alterne o equilíbrio das pernas entre uma e outra, deixando escorrer entre a perna e a meia uma e outra gota furtiva de suor.
Aguarde cerca de meia hora e, ao perscrutar o monstro cor de abóbora que se aproxima, caminhe em direção ao meio-fio acompanhando a multidão que se formou e agarre a bolsa junto ao peito para evitar que lhe seja arrebatada, ou que caia revelando pente, batom, fotos 3 x 4, bilhetes de loteria e afins. Equilibre-se nos degraus até chegar ao cobrador e mais uma vez use o pensamento positivo para que ele tenha troco. Acomode-se entre a axila do sujeito à esquerda e a mochila da Hello Kitty da garota à direita e boa viagem.
Repita a operação cinco vezes por semana, pelo menos duas vezes ao dia.