segunda-feira, 31 de maio de 2010

Mineradores

Mulheres
lésbicas, suicidas
Homens
ativos, passivos

inquietos

não constroem churrasqueiras
não pescam garoupas

remexem
o fundo de seus rochedos
extraem angústias
minérios

sabem
que a verdadeira tristeza é muda
e que toda lua é nova

para ACCésar e FTruffaut

(tinha escrito isso antes, mas ontem fui assistir "Um navio no espaço ou Ana Cristina Cesar", de e com Paulo José; sem palavras, além das acima)

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Uma oração de Roberto Carlos

Há quem não goste do rei, que se há de fazer... Mas quando Caetano canta, eu tomo vinho de Orvieto e choro ouvindo:


Muito Romântico


Não tenho nada com isso, nem vem falar
Eu não consigo entender sua lógica
Minha palavra cantada pode espantar
E a seus ouvidos parecer exótica

Mas acontece que eu não posso me deixar
Levar por um papo que já não deu, não deu
Acho que nada restou pra guardar
Do muito ou pouco que houve entre você e eu

Nenhuma força virá me fazer calar
Faço no tempo soar minha sílaba
Canto somente o que pede pra se cantar
Sou o que soa, eu não douro a pílula

Tudo o que eu quero é um acorde perfeito, maior
Com todo o mundo podendo brilhar no cântico
Canto somente o que não pode mais se calar
Noutras palavras sou muito romântico

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Indo para o Rio

"... a praia é um lugar franco, transparente, aberto ao céu, 'como uma boca ou uma ferida', como Camus dizia de Argel e das cidades que dão para o mar. 'Gozá-la é conhecê-la'. Tudo está ali, revelado, explícito: o que se vê é o que existe. Estamos no império do visível; não há fundos falsos nos quais se esconder nem margem para segredos. Os enigmas não cabem na lógica da praia. Se a areia e o mar a pleno sol podem servir de cenário para um crime, não será sem dúvida o crime encriptado do gênero policial, que demanda um detetive que o decifre, mas o crime idiota, insensato, absolutamente exterior – o que Mersault comete em O estrangeiro, por exemplo –, que só exige um espectador capaz de contemplá-lo perplexo."
Trecho de La vida descalzo, de Alan Pauls, tradução minha, que me remeteu ao curta do meu amigo Marcio, Tauri, nos melhores festivais do ramo.
Me lembrei também daquela novela dos mutantes, da Record. O único capítulo que vi tinha uma transformação e uma briga na praia, de dia. Na época, comentei com meu amigo que estava ali assistindo comigo que não existe efeito especial que resista ao sol de meio-dia do Rio de Janeiro. Alan Pauls não me deixa mentir...

terça-feira, 20 de abril de 2010

Um país sem heróis

Pesquisando jornais antigos para um documentário sobre o golpe militar de 1964, descubro que várias ruas e avenidas de São Paulo remetem a figuras ligadas à ditadura. Vários generais são nomes de rua na Zona Norte, outras figuras políticas diretamente ligadas ao golpe são grandes avenidas espalhadas pela cidade. Ainda temos o recente "Complexo Caciques da Comunicação", que começa no viaduto Luís Eduardo Magalhães, segue pela avenida Roberto Marinho para desembocar na ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira. A imaginação então vai longe, até a Zona Leste, para lembrar dos progenitores de Paulo Maluf, devidamente homenageados nas avenidas Salim Farah Maluf e Maria Maluf. Quando eu era garota, aprendi na escola que os bandeirantes eram desbravadores do interior do Brasil, homens fortes e destemidos. Hoje, são considerados uns facínoras, assassinos de índios. Ou seja, no Brasil ninguém se salva: são sempre figuras de reputação duvidosa que ficam imortalizadas em nomes de ruas.
Não que emprestar o nome a um logradouro seja algo tão edificante assim. Um artista como Tom Jobim, por exemplo, virou nome de um buraco na avenida 23 de Maio. O pobre Marcelo Fromer batizou uma passarela que passa por cima do local onde foi atropelado. E todo o mundo sabe que atribuir nomes de parentes, amigos e correligionários a logradouros é a principal atividade dos vereadores em todos os municípios brasileiros.
Sendo assim, acho que seria muito mais interessante se as ruas tivessem nomes de coisas, de animais, de outros lugares. Regiões como os Jardins, por exemplo, continuariam homenageando cidades e países. Indianópolis poderia manter seus povos indígenas (uns mais humanistas talvez quisessem substituir os nomes dos índios canibais por povos mais pacíficos). Moema manteria seus pássaros. Santo André, muito criativo, já tem doze ruas com os nomes dos signos do zodíaco. Está de parabéns.
A rua em Perdizes onde moro também poderia continuar sendo nome de povo indígena, mas eu não me importaria de morar num bairro em que todas as ruas tivessem nomes de utensílios domésticos ou produtos de papelaria. "Onde você mora?", alguém me perguntaria. E eu responderia: "Na rua Sapóleo, entre a rua Rodinho e a avenida Água Sanitária". Também preferia morar na rua Sulfite, esquina da rua Almaço, em vez de morar na rua de nome do pai do vereador cuja única realização foi ter conseguido homenagear seu próprio progenitor.
(crônica escrita para o curso "Literatura e Cinema", de Wladyr Nader, na PUC-Cogeae)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Aceitam-se surpresas

Uma flor
Um sabor
Um pavor
Uma declaração de amor

Um irmão
Uma canção
Um senão
Uma passada de mão

Uma nova anatomia
Um bilhete em cima da pia
Um escalda-pé na bacia
Uma fatia de melancia

Uma festa
Uma seresta
Um beijo na testa
Um dia inteiro de siesta

Ou quem sabe uma promessa?

terça-feira, 9 de março de 2010

Um blog profissional

Diante da dificuldade eterna de fazer um site para a Pólen, resolvi abrir um blog. Vou falar sobre o que está rolando, os lançamentos dos livros que a gente faz e os projetos em andamento. O endereço é http://poleneditorial.wordpress.com, para quem quiser saber das novidades.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Tietagem ultramarina

Ao que tudo indica tenho muito poucos leitores assíduos, ninguém me perguntou, mas eu digo mesmo assim. Gostei tanto do livro "Sopa de romã" que escrevi um e-mail para a autora, cuja foto achei muito simpática e cuja orelha revelava que a moça é iraniana, criada na Argentina e casada com um irlandês.
Perguntei se ela achava que o molho de romã libanês que comprei prestaria na receita em que ela mandava usar pasta de romã e disse que tinha gostado do livro e tal. Não é que a fofa me respondeu? Além de tranquilizar minha persona cozinheira ainda me contou que a história é uma saga e o segundo livro vai sair logo em português.
Tenho que agradecer a Cris, que me deu a dica do livro. Até já comprei um exemplar pra Lu, que faz aniversário a cada quatro anos. Tenho certeza de que ela também vai adorar. Só não sei se vou dar o presente este ano, porque não tem dia 29 de fevereiro.

Viva a televisão!

Outro dia estava lendo antes de dormir e ouvi um plim-plim da Globo bem alto, num volume semelhante ao das vozes do casal que mora aqui em cima. Na hora, pensei: "Que saco, colocaram uma TV no quarto. Agora vou ficar ouvindo barulho de televisão toda noite antes de dormir."
Cheguei em casa agora e vi a indefectível luzinha azul na janela do andar de cima. E subitamente vi as coisas pelo lado bom: TV no quarto significa sexo zero. Um plim-plim eventual é muito menos invasivo do que o ranger da cama e os gemidos que ouvi há quatro anos, quando eles produziram o moleque que agora grita e faz birra sempre que é contrariado.
Sexo zero, portanto, significa que eles também não vão produzir outro moleque do mesmo naipe. E, muito cá entre nós, evita qualquer tipo de surto inevitável de inveja seguido de pensamentos autodestrutivos, do tipo "se até eles, por que não eu?"

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

24 horas felizes

Tudo começou ontem à noite, quando escrevi um conto muito legal na oficina. Voltei para casa, enchi uma taça de carmenére e continuei a ler o livro meigo que estava lendo. Deparei com uma receita provavelmente deliciosa e fui dormir. Acordei e fiz uma coisa muito rara, continuei a ler o livro, não parei até acabar. Acabou o livrinho adorável, fui trabalhar já assim alterada e com a receita na cabeça.
Consultei uma amiga sobre os ingredientes, como contei antes, fui lá e encontrei todos eles, logo depois de um almoço muito legal com amigas. O trabalho estava tranquilo, pintei as unhas de vermelho, choveu mas não faltou luz e acho que não derrubou a casa de ninguém. Daí entre uma balada de rock passée e as delícias que minha própria casa oferecem, cá estou eu feliz da minha vida. Filminho do Hal Hartley no DVD, Xingu gelada, uma pizza só pra mim e daqui a pouco um chocolatinho da Kopenhagen, que tenho aqui just in case. Ah, daqui a pouco começa Medium na TV. Eis a descrição de uma noite quase perfeita.
Para ser realmente perfeita só faltava mesmo uma banheira. Acho que um dia desses vou levar meus DVDs num motel. Ouvi dizer que a gente pode pedir nossa própria pizza também.
PS.: Mas esse Hal Hartley não é mesmo muito divertido? O moço estava sumido, mas gostei. Adoro essa atriz com sotaque que está sempre nos filmes dele, não consegui encontrar o nome.

Orientalidades

Fazia tempo que não me empolgava tanto com um livro, a ponto de me atrasar para o trabalho para terminar de ler. Até fiz café (com minha nova cafeteira italiana que ganhei de Natal, senscional!), coisa que não faço nunca, só pra poder terminar. O livro é despretrencioso e se chama "Sopa de Romã", de uma iraniana que morou na Argentina e hoje vive na Irlanda. É a história de três irmãs iranianas que fogem para a Inglaterra e depois acabam parando numa cidadezinha do interior da Irlanda, onde abrem um restaurante. Uma coisa meio "Chocolate" meio "Como água para chocolate" (está escrito na capa) ou outros que-tais gastronômicos. No início de cada capítulo, uma receita iraniana. E a tradução é da Nina Horta.
Uma das receitas me deixou intrigada, isso deve ser bom pra cacete, vou fazer. E lógico que hoje vim trabalhar ideiafix e apelei para os conhecimentos exemplares da minha amiga Elis para descobrir onde comprar pasta de romã.
Foi praticamente impossível encontrar qualquer menção no Google. Primeiro, vieram referências a umas pastas suspensas da marca Roma e depois às melhores "pastas di Roma", já que o acento não fez a menor diferença na busca.
Idiossincrasias do Google à parte, a Elis me indicou a loja Maxifour, no Brás. Já tinha comprado pão árabe dessa marca e é muito bom, fiquei toda animadinha. Mais um antro de perdição indicado pela Elis, não bastasse a Casa Flora.
E não é que os caras têm uma filial em Higienópolis? E não é que eu justamente tinha combinado de almoçar no Shopping Higienópolis?
Fui lá e comprei um molho de romã que o moço disse ser o mais indicado para receitas salgadas. Não deve ser a mesma coisa, mas pode ser que sirva. O legal mesmo foi que lá tinha lentilhas vermelhas. Chamam assim, mas são mesmo cor de salmão, algo entre rosa e laranja. Muito, muito lindo! E são escaminhas delicadas, pequenas e fininhas. Ainda não sei o que vou fazer com isso, mas que vai ficar bonito, isso vai.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Lágrimas de Portugal

Dia desses estava com meu pai numa grande loja de jardinagem, comprando mudas de ervas para o meu quintal. Do caixa, ouvi a voz rouca da freguesa que cobrava uma encomenda. Voz de anos de Malboro, certamente alguns scotches. Um pouco inchada talvez, acima do peso. Fechei os olhos para lembrar de onde a conhecia.
Quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal

Minha professora de literatura do cursinho. Ainda estudava letras na época, mas para mim era linda, adulta, mulherão. Os poetas portugueses até então tinham sido uma aula maçante na escola, a professora mais interessada em vender pacotes para a Disney nas férias.
Naquela voz que já se insinuava rouca Pessoa e Florbela eram o que havia de mais lindo.
Naquele tempo de tanta certeza, aquela voz me pincelou de tristeza. Efêmera. Voou para voltar muito tempo depois, reivindicar seu espaço.
Alguém me disse que eu tinha uma tristeza de estimação. Logo se arrependeu, pensou me ofender.
Não, não se ofende quem a conhece e sabe do que ela é capaz. Quando se torna uma velha amiga, sabe que não é senhora de tudo. Conhece seu lugar. Só embaixo do tapete é que apodrece e contamina. Bem cuidada nos leva ao outro lado do Atlântico, nos conecta a Pessoa e Florbela, por teias improváveis de versos.
Linda, minha professora. Não sabia que essa semente já estava plantada até ouvir sua voz rouca entre mudas e vasos. Talvez ela também tenha um quintal...

Coisas de menino

Ainda não fui ver o Clint, mas já tenho um Top One 2010 e vai ser difícil superar. Melhor primeira sequência, melhor filme de menino, melhor filme de monstro, melhor filme sobre solidão, infância, e por aí vai. "Onde vivem os monstros" é tão sensacional que esse post vai sair totalmente vazio e tiete, com adjetivos vagos e bobocas. Muito diferente do filme, que é a adaptação literária mais incrível que já vi.
O grande drama dos filmes adaptados de livros é fazer caber em duas horas o que geralmente renderia uma novela de vários capítulos. Sou bem fã de adaptações de livros, não faço questão de exclusividade em relação à minha imaginação. Mas nesse caso um livro infantil praticamente sem palavras (nem por isso sem conteúdo) se transformou em uma adaptação sensível e profunda, com uma história praticamente igual, mas com um desenvolvimento brilhante.
E o que é aquela primeira sequência? Não tenho ideia de quanto tempo dura, me pareceu que não passou de um minuto - e você já sabe tudo sobre o menino. Quer saber o que é ser menino? Quer saber o que é testosterona? É aquela descida de escada, mais emocionante do que qualquer cena de ação de carro capotando ou mundo acabando.
O que me faz lembrar de dois outros filmes recentes que gostei, mas que me irritaram deveras com esse espírito destrutivo insuportável que a cultura americana cultiva. Primeiro, a animação "UP". Por que será que até um filme em que o mocinho tem 80 anos e o vilão uns 110, se fôssemos exigir um mínimo de coerência, tem que ter destruição em massa? E não é qualquer destruição: são esqueletos e esqueletos de animais pré-históricos colecionados pelo vilão, um museu arqueológico em plena selva amazônica. E parece muito meigo levar a casa de balões até o lugar onde a mulher gostaria de ter ido, mas aquilo não é uma pilha imensa de entulho? Em cima de uma cachoeira sensacional? Tô longe de ser ecochata, mas vamos e venhamos...
O outro filme é "Avatar". Nem vi em 3D, mas fiquei maravilhada com a direção de arte. A história pode ser batida, alguém comparou com Pocahontas. Tem algumas sacadas incríveis, as cores, aquela árvore, lindo. Mas que saco aquele monte de soldados armados até os dentes... Tão chato quanto coberturas da CNN das guerras idiotas que os americanos fazem por aí. Não que não seja realista, claro que é. O filme tem sua lição e tal. O que é muito mala é esse ser o modelo de diversão possível. Se não houver destruição em massa (Deus abençoe a computação gráfica), não é divertido?
Acho que sempre detestei essa coisa de destruir tudo. Até em desenho animado. Deve ser coisa minha, né? Eu é que não entendo esse tipo de menino.

Lepidópteros e coleópteros

Estou aqui numa pesquisa louca sobre a vida da autora Lúcia Machado de Almeida, para escrever um texto biográfico sobre ela para o site de uma editora. Não acho mais do que 20 linhas do mesmo texto, requentado, que pula da publicação dos primeiros textos na adolescência para a morte em 2005. Não tem uma biografia decente.
Puxa, o que seria da minha vida de leitora sem "O caso da borboleta Atíria" e "O escaravelho do diabo"? Imagine, o "Escaravelho" foi escrito em capítulos na revista O Cruzeiro, em 1956! E as "Aventuras de Xisto"? Desde aquela época adoro besouros, borboletas e pastel de queijo.
Tive ainda o privilégio de ter uma prima que trabalhava no Museu de Zoologia da USP, bem nesse período de leituras desenfreadas da coleção Vaga Lume. Ela era responsável por cuidar de coleópteros - ovos, larvas, pupas e adultos. E nas férias eu ia para o trabalho com ela e ficava ali, no porão do Museu, observando aqueles insetos lindos, coloridos.
Não tenho mais os livros, doei para uma biblioteca pública, mas fiquei morrendo de vontade de ler de novo. Obrigada, Lúcia, onde quer que você esteja!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Pesar

Choque do presságio
Começo, meio e fim.
E não se fala mais nisso.

Dói

Em outro plano
Contemplo
Atordôo

Buraco de jade
Lagoa de sapo

Saudade, pântano
Desejo, lodo

Devia ser proibido dormir sem beijo de boa noite

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Fome de possíveis

Quando eu não podia, eu queria.
Agora eu posso e não sei o que quero.
Não quero férias.
Não quero ficar em casa sem fazer nada (já é o que estou fazendo agora...).
Quero passar um mês entre leões na África.
Conhecer a Europa e o Oriente.
Estudar hotelaria, roteiro e culinária ayurvédica.
Fazer qualquer trabalho sem penso.
Quero uma nova rotina.
Depois de tanto tempo vivendo o imediato, acumularam-se os quereres.
Como me aconselharia o autor do "Tratado de culinária para mulheres tristes", nada a fazer.
Só me resta tomar um copo de água.