quarta-feira, 28 de abril de 2010

Uma oração de Roberto Carlos

Há quem não goste do rei, que se há de fazer... Mas quando Caetano canta, eu tomo vinho de Orvieto e choro ouvindo:


Muito Romântico


Não tenho nada com isso, nem vem falar
Eu não consigo entender sua lógica
Minha palavra cantada pode espantar
E a seus ouvidos parecer exótica

Mas acontece que eu não posso me deixar
Levar por um papo que já não deu, não deu
Acho que nada restou pra guardar
Do muito ou pouco que houve entre você e eu

Nenhuma força virá me fazer calar
Faço no tempo soar minha sílaba
Canto somente o que pede pra se cantar
Sou o que soa, eu não douro a pílula

Tudo o que eu quero é um acorde perfeito, maior
Com todo o mundo podendo brilhar no cântico
Canto somente o que não pode mais se calar
Noutras palavras sou muito romântico

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Indo para o Rio

"... a praia é um lugar franco, transparente, aberto ao céu, 'como uma boca ou uma ferida', como Camus dizia de Argel e das cidades que dão para o mar. 'Gozá-la é conhecê-la'. Tudo está ali, revelado, explícito: o que se vê é o que existe. Estamos no império do visível; não há fundos falsos nos quais se esconder nem margem para segredos. Os enigmas não cabem na lógica da praia. Se a areia e o mar a pleno sol podem servir de cenário para um crime, não será sem dúvida o crime encriptado do gênero policial, que demanda um detetive que o decifre, mas o crime idiota, insensato, absolutamente exterior – o que Mersault comete em O estrangeiro, por exemplo –, que só exige um espectador capaz de contemplá-lo perplexo."
Trecho de La vida descalzo, de Alan Pauls, tradução minha, que me remeteu ao curta do meu amigo Marcio, Tauri, nos melhores festivais do ramo.
Me lembrei também daquela novela dos mutantes, da Record. O único capítulo que vi tinha uma transformação e uma briga na praia, de dia. Na época, comentei com meu amigo que estava ali assistindo comigo que não existe efeito especial que resista ao sol de meio-dia do Rio de Janeiro. Alan Pauls não me deixa mentir...

terça-feira, 20 de abril de 2010

Um país sem heróis

Pesquisando jornais antigos para um documentário sobre o golpe militar de 1964, descubro que várias ruas e avenidas de São Paulo remetem a figuras ligadas à ditadura. Vários generais são nomes de rua na Zona Norte, outras figuras políticas diretamente ligadas ao golpe são grandes avenidas espalhadas pela cidade. Ainda temos o recente "Complexo Caciques da Comunicação", que começa no viaduto Luís Eduardo Magalhães, segue pela avenida Roberto Marinho para desembocar na ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira. A imaginação então vai longe, até a Zona Leste, para lembrar dos progenitores de Paulo Maluf, devidamente homenageados nas avenidas Salim Farah Maluf e Maria Maluf. Quando eu era garota, aprendi na escola que os bandeirantes eram desbravadores do interior do Brasil, homens fortes e destemidos. Hoje, são considerados uns facínoras, assassinos de índios. Ou seja, no Brasil ninguém se salva: são sempre figuras de reputação duvidosa que ficam imortalizadas em nomes de ruas.
Não que emprestar o nome a um logradouro seja algo tão edificante assim. Um artista como Tom Jobim, por exemplo, virou nome de um buraco na avenida 23 de Maio. O pobre Marcelo Fromer batizou uma passarela que passa por cima do local onde foi atropelado. E todo o mundo sabe que atribuir nomes de parentes, amigos e correligionários a logradouros é a principal atividade dos vereadores em todos os municípios brasileiros.
Sendo assim, acho que seria muito mais interessante se as ruas tivessem nomes de coisas, de animais, de outros lugares. Regiões como os Jardins, por exemplo, continuariam homenageando cidades e países. Indianópolis poderia manter seus povos indígenas (uns mais humanistas talvez quisessem substituir os nomes dos índios canibais por povos mais pacíficos). Moema manteria seus pássaros. Santo André, muito criativo, já tem doze ruas com os nomes dos signos do zodíaco. Está de parabéns.
A rua em Perdizes onde moro também poderia continuar sendo nome de povo indígena, mas eu não me importaria de morar num bairro em que todas as ruas tivessem nomes de utensílios domésticos ou produtos de papelaria. "Onde você mora?", alguém me perguntaria. E eu responderia: "Na rua Sapóleo, entre a rua Rodinho e a avenida Água Sanitária". Também preferia morar na rua Sulfite, esquina da rua Almaço, em vez de morar na rua de nome do pai do vereador cuja única realização foi ter conseguido homenagear seu próprio progenitor.
(crônica escrita para o curso "Literatura e Cinema", de Wladyr Nader, na PUC-Cogeae)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Aceitam-se surpresas

Uma flor
Um sabor
Um pavor
Uma declaração de amor

Um irmão
Uma canção
Um senão
Uma passada de mão

Uma nova anatomia
Um bilhete em cima da pia
Um escalda-pé na bacia
Uma fatia de melancia

Uma festa
Uma seresta
Um beijo na testa
Um dia inteiro de siesta

Ou quem sabe uma promessa?