segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Um novo reality show

Assistindo ontem aos meus reality shows favoritos - que são sempre aqueles que as pessoas fazem coisas, e não os que elas ficam tomando sol na piscina -, pensei que o governo brasileiro poderia criar um reality muito interessante. Duas empresas bem pequenas que tentaram ser honestas seriam selecionadas e começariam a contar o que fazem, como fazem e porque estão devendo impostos até as calças.
Aí um host tipo o Ty, aquele mala do Extreme MakeOver Home Edition, que dá casas imensas para pessoas cheias de filhos, entrevistaria vários clientes e ex-funcionários, perguntando se a empresa foi legal. Alguns ex-funcionários chorariam, dizendo que nunca tiveram um trabalho tão divertido, mas que trabalharam pra cacete e não entendiam como a empresa tava sempre no limite.
Daí o governo escolheria uma das duas empresas para receber uma anistia na dívida e uma consultoria administrativo-financeira. Se a empresa quisesse fechar e demitir todo mundo, o governo facilitaria o processo e bancaria uma viagem de estudos para os sócios para algum país onde as coisas funcionam, para que esses seres tão cheios de boa vontade depois trouxessem de volta o know-how para o Brasil. Mas como aqui tudo cai no esquecimento, os sócios ficariam na Escandinávia e não voltariam nunca mais, contribuindo para o progresso da terra de Thor, como tantos outros patriotas que se mandaram.

Medos civilizados, medos ancestrais

Estou devorando o livro "A Casa do Califa", de Tahir Shah. O escritor inglês esteve no Brasil há alguns dias para o lançamento desse livro, o primeiro dele em português (sim, o meu é autografado!). Ele é especialista em livros sobre viagens insanas. Já tinha lido um em que ele vai para a Índia à procura de um grande mágico, de quem se torna aprendiz, e depois viaja por todo o país tentando desvendar os truques de gurus e místicos.
Neste novo livro, ele fala sobre a casa que comprou em Casablanca, no Marrocos, para onde se mudou com a família em busca do sonho de uma vida mais gregária, ensolarada e feliz. O que ele encontra, a princípio, é a superstição e os vieses da mentalidade marroquina, de certa forma muito parecidos com os que encontrou na Índia, e, por que não?, no próprio Brasil. Um misto de valores culturais e religiosos altamente ilógicos e quase irracionais para uma pessoa nascida na Inglaterra, ou em São Paulo. Se de um lado ele é uma pessoa totalmente devotada à causa de entender aquela cultura estranha, de outro se vê às voltas com a malícia dessas pessoas que, a primeira vista, poderiam ser rotuladas de "ignorantes", "fanáticas" e "supersticiosas".
A leitura é uma delícia e as peripécias dão angústia, porque no final ele está sempre sendo solenemente passado para trás. Ainda não sei aonde isso vai dar, quero acreditar que ele finalmente encontra o que procura, mas não sei...
De qualquer forma, nesse embate entre o racional e o supersticioso, me veio um pensamento. Quando se acredita em algo transcendental, seja deus ou qualquer outra abstração do gênero, a vida ganha cores extremas. Os medos são resultado da sujeição da pessoa ao imponderável, a forças estranhas e incontroláveis.
O autor se torna amigo de um colecionador de selos que vive na favela que cerca sua propriedade. O homem lhe conta que, aos 7 anos, uma feiticeira apareceu na vila onde ele morava e disse a seus pais que se ele não fosse entregue à primeira pessoa que passasse, morreria. Conclusão: o menino foi doado a um carroceiro e nunca mais encontrou sua família.
A história é trágica, mas tem essa marca do imponderável que estamos removendo cada vez mais de nossas vidas. O que pode acontecer de incrível hoje conosco, tão racionais que somos? Um caminhão desgovernado entrar em nossa sala enquanto assistimos TV? Um pedófilo abordar nosso filho na Internet? Um hacker entrar na nossa conta bancária e roubar alguns caraminguás? Nossos medos são tão sem graça... Ninguém mais teme ser seqüestrado pelo Homem do Saco ou por uma horda de ciganos vendedores de crianças. Não tem monstro no armário, nem Cuca nem Saci.
Esse choque de culturas é rico e assustador, porque coloca nossa ânsia comparativa em ação e nos deixa perdidos entre a nossa noção de civilização e os instintos mais primitivos, que no fundo são bem mais divertidos.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Meu asilo particular

Já decidi onde vou morar na velhice, quando tiver Alzheimer. Uma cliente me falou de um lugar onde as pessoas que hoje têm Alzheimer vivem em um ambiente com uma decoração que remete às lembranças de juventude deles. Todos têm seus quartos e uma praça coletiva com um cinemão com pôsteres de clássicos do cinema, bancos, coreto, jardim. Acho que conforme as novas gerações forem chegando, eles vão atualizando a decoração. Se eles fizerem uma decoração punk, podem me mandar pra lá. Até já perguntei se dá pra ir pagando desde agora. Tomara que toque Sex Pistols.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Vergonha na cara - III

A última palestra que assisti hoje foi de um professor da FGV-RJ, um figura, debochado, divertido, que bota o dedo na ferida. Um iconoclasta. Ano passado já tinha assistido o cara, e este ano a palestra foi bem parecida. Ele foi o primeiro brasileiro a fazer doutorado em desenvolvimento sustentável e afirma - diante daquele monte de gente que a princípio só vê dinheiro na frente - que não adianta, não tem jeito, problema "ambiental" não existe: existe problema social e de produção.
Quer dizer, não adianta dizer que o ar está poluído. Por que está poluído? Porque o padrão de consumo é absolutamente inviável. Não adianta criar catalisador, tem que parar de andar de carro. Não adianta discutir política ambiental. Tem que discutir a mudança do paradigma do consumo. Simples assim.
Ele também diz que a verdadeira globalização é a dos problemas ambientais. Cita dados de telefonia e internet, que estão longe de ter se disseminado totalmente no planeta, e mostra o exemplo do Chile em relação à destruição da camada de ozônio. Segundo ele, a América Latina inteira responde por 3% do CFC que é liberado na atmosfera. Desses 3%, Brasil e México são responsáveis por 1,5%. Peanuts, certo?
Pois o maior problema de buraco na camada de ozônio está em cima da Patagônia e vem matando muitos animais e criando problemas de saúde pública tão graves que o Chile já pensa em decretar o toque de recolher ecológico, proibindo as pessoas do sul do país de ficarem expostas ao sol entre 11h e 15h. Vejam só a ironia da coisa: as ovelhas da Nova Zelândia soltam seus gases na atmosfera e assim contribuem para que as ovelhas chilenas fiquem com catarata...
As histórias e exemplos foram muitos, mas no final ele se confessou um otimista, porque disse que em 30 anos, desde a conferência ambiental de Estocolmo, o assunto que sequer era abordado hoje está aí e ninguém nega que desenvolvimento sustentável é a única saída.
Eu estava apostando nessa tal de crise para chacoalhar de forma mais profunda essas estruturas e dar um revertério no tal do desenvolvimento. Ninguém aguenta mais trabalhar tanto, fala sério... E se a gente não gasta comendo demais, gasta comprando roupa que logo não serve porque a gente tá gorda, ou em tratamento médico e psicológico, ou em academia pra combater o sedentarismo...
Infelizmente, essa para mim foi a notícia mais desanimadora do dia, que eu vi em outra palestra: a crise vai prejudicar bastante o sistema produtivo, não vai quebrar bancos, e no final do segundo semestre do ano que vem o pessoal já pode começar a pensar em trocar de Pajero. Blé...

Vergonha na cara - II

Em outra palestra, um professor da FGV-SP deu alguns dados que deviam ser matéria escolar, currículo básico da disciplina de Filosofia que o governo vai reimplementar nas escolas. Em algum dos anos, a gente poderia ter Filosofia da Cultura Brasileira e discutir o seguinte:
- Uma pesquisa perguntou para as pessoas se elas se consideravam felizes. O Brasil e a Índia são os dois únicos países pobres e com péssima distribuição de renda em que as pessoas se definem como basicamente felizes. Os demais são todos países ricos.
- O Brasil tem um nível de conservadorismo religioso comparável ao dos países muçulmanos. 85% da população acredita em deus e na justiça divina e acha impossível alguém ser ético sem acreditar em deus (!!!! - exclamações minhas).
- Em compensação, o Brasil está em 80º lugar na lista de países mais corruptos do mundo, em uma lista de 180 países monitorados pela ONG Transparency International. O professor disse 70º, mas conferi e acabou de sair uma lista nova que a gente perdeu algumas posições, felizmente. Mas aumentou o número de países pesquisados, logo pode ser que tenha ficado na mesma.
- Assim como somos tolerantes com a corrupção, também somos tolerantes com certos comportamentos sociais aparentemente incompatíveis com a nossa religiosidade. Pelo menos da boca para fora, 65% da população aceita o homossexualismo e 61% não só não vê nenhum problema em ter uma mulher no poder como até acham que são melhores. Nesse quesito, cá entre nós, acho que além de corruptos somos uns mentirosos incorrigíveis.

Vergonha na cara - I

Todo ano, há uns cinco ou seis, não sei bem, cubro esse evento, a Expo Management. É um mega congresso de administração e gestão, voltado para altos executivos. O pessoal traz os autores de todos os livros de administração, marketing, finanças e tudo o que está relacionado à área, os grandes papas. O ingresso custa fortunas e eu nunca assisti as palestras dos grandões, porque cubro as palestras paralelas. Se as palestras gringas são para os CEOs, as minhas são pros gerentes.
Mas já é um privilégio, porque sempre tem muitos professores brasileiros interessantes e alguns cases de empresas também. E se não serve muito pra usar na prática da empresa, tem sempre coisas inspiradoras.
O que tem sido mais legal de ver é que no começo o babado eram as finanças. Corte de custos, reengenharia, um monte de sistemas de gestão carésimos, cheios de siglas e tal. E desde o ano passado, o foco está mudando. Ano passado só se falou em ética e desenvolvimento sustentável. Este ano tem uma sala dedicada à saúde.
Assisti a uma palestra sobre a epidemia de problemas cardíacos que se avizinha. Os dados são estratosféricos, e a sala estava vazia. Claro que das 10, 12 pessoas, a maioria era de mulheres. Mas, como diz um outro professor que já assisti ano passado, melhor isso que nada. É um começo.
A nutricionista do Dante Pazzanese deu dados interessantes:
- Nos países em desenvolvimento, 45,6% das mortes são por problemas de coração.
- O índice de mortes por problemas cardíacos está aumentando nas mulheres e diminuindo nos homens.
- Quando uma mulher chega ao hospital com dores típicas de sintoma de problema de coração, em geral é atendida como se estivesse tendo um chilique (a mulher disse isso de verdade).
- Se todo mundo seguisse as medidas preventivas que a gente já sabe - parar de fumar, fazer uma atividade física regular (basta caminhar 30 minutos, três vezes por semana), comer mais verduras e frutas e diminuir a barriga são os básicos - a mortalidade cairia 90%.
Comentei com ela que agora a gordura trans parece ter sido banida de todos os alimentos industrializados, como num passe de mágica, e que as coisas que se dizem mais saudáveis, como aquele embuste da linha Vitale de caldos, têm quantidades astronômicas de sódio. Ela disse que é isso mesmo, o grande problema são as comidas industrializadas.
Nenhuma novidade, certo? Não vou dizer que já estou 100% adaptada, mas tô caminhando...

Filhas de Hera

São poucas as mães que conheço, de filhas da minha geração, que entendem os filhos, e principalmente as filhas, como seres esssencialmente únicos, e não como membros fantasma, aqueles membros amputados dos quais ainda se sente como se fossem parte do corpo. Mesmo que sejam "estudadas", separadas, viajadas. Não é privilégio das nossas mães donas-de-casa, que pararam de trabalhar no dia que receberam o resultado do exame de gravidez, porque não ganhariam o suficiente para pagar quem ficasse com os filhos.
A maioria das mães de amigas minhas sofre desse deslocamento, dessa falta de empatia. Projetam nas filhas uma continuidade de sua forma de agir e ser no mundo, assim como suas próprias mães o fizeram. Conto nos dedos as mulheres na faixa dos 60 anos que admiram o ser humano que suas filhas se tornaram, independente de suas realizações profissionais, sociais, familiares. Somos todas um sonho feliz a qual se despertou antes da hora, de um susto, uma promessa não-cumprida, um espelho quebrado.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Redes

Estou aqui fazendo várias coisas novas no trabalho, e por isso nem tenho muita vontade de escrever no blog. Estou até bancando a roteirista e isso está me deixando muito feliz. O mais divertido é que você começa a criar uma história e vai se lembrando de coisas por que passou, de desenhos que assistiu, traz de volta as lembranças mais prosaicas e acaba enfiando um monte de coisas nos tais dos roteiros.
Ontem foi assim, e eu estava agradecendo pelas minhas sinapses, pensando no quanto é bom ter os neurônios funcionando bem, acho que dava até pra ouvir a passagem da corrente elétrica, bzzz, bzzz, deve ser assim.
Voltei pra casa tardíssimo, dia longo de trabalho, e no banho comecei a pensar na viagem que vamos fazer de reveillon, para Belém do Pará. Em meio aos preparativos, surge um amigo de uma amiga, solícito, que está dando dicas preciosas. São assim as amizades, sinapses da vida real, condução de energia. Quando você menos espera, reencontra alguém, surge outro ser do céu para te ajudar.
É mesmo uma rede de impulsos elétricos e quando se mantém as conexões, tudo funciona.