segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

De como o cartório é sinal do nosso atraso

Sempre me sinto mal quando tenho de ir ao cartório. É atávico: fico trêmula, irritada, solto fogo pelas ventas. Sei que vou perder um tempão cumprindo um ritual burocrático sem finalidade, mais uma peça da engrenagem do caos pátrio, um procedimento atrasado e lusitano, provavelmente strictu sensu. Sempre achei que os cartórios deveriam ser exterminados, incendiados, extintos. Nunca entendi exatamente porque me sentia tão violentada, como se tivesse sendo vítima de uma grande injustiça.

Hoje perdi mais uma hora do resto de minha vida atrás de autenticações, e então finalmente entendi de onde vem esse sentimento.

Recentemente entrevistei uma advogada que trabalha implantando programas anticorrupção nas empresas. No meio da entrevista, ela me contou que morou muitos anos nos Estados Unidos e também em outros países. E que percebeu que no Brasil todos somos culpados até que se prove o contrário.

Precisamos provar nossa identidade para entrar num edifício. Precisamos de crachá, fotografia, identidade. Temos CPF, RG, Título de Eleitor, PIS, PASEP, carteira de trabalho, certificado de reservista, certidão de nascimento, de casamento, averbação do divórcio. E precisamos pagar para alguém atestar que nossa assinatura, feita na frente da outra parte, é realmente nossa.

O que descobri é que ser tratada como uma pessoa indigna é o que me deixa indignada.

Mas por que toda essa desconfiança?

Existe fraude? Existe. Existe gente picareta? Existe. Mas isso não é privilégio nosso. Isso existe em toda parte. É humano.

E se eu acho que sou digna de confiança, por que o outro, por princípio, não é?

O problema de querer se cercar de todas as precauções contra o outro, essa prática tão nossa que nos enreda na roda da burocracia infinita, não é o fato de que o brasileiro é mais picareta do que o resto do mundo. É o fato de que, se eu for realmente lesado pela minoria de picaretas que existe, eu vou sofrer para que o problema seja resolvido. Vou passar anos na Justiça e posso morrer sem que ela se faça.

O problema, então, não é de índole, mas de impunidade.

Sim, isso é óbvio ululante, claro, mas é bom separar as coisas.

Adoraria ser tratada como uma cidadã digna, sem ter de me preocupar em provar que eu sou eu a cada instante.

E a extinção dos cartórios seria uma prova cabal de que a sociedade brasileira realmente evoluiu em termos de cidadania.