sexta-feira, 11 de abril de 2008

Alma portenha

Semana passada minha aula de variedades lingüísticas e cultura dos países que falam espanhol foi sobre a Argentina. A professora, argentina que vive no Brasil há cinco anos, fez várias comparações entre a alma argentina e a brasileira, com muita ponderação.
Pra resumir muito mesmo, os argentinos (especialmente os portenhos) têm esse espírito mais belicoso e uma vontade incontida de sofrer, além da arrogância e da auto-estima quase risíveis de tão grandes. Eles têm o tango, nós temos o samba. Eles acham que lá tudo é melhor, nós achamos que tudo que é estrangeiro é melhor. A conclusão geral foi que os argentinos precisam sair de lá pra descobrir que eles não são o melhor país do mundo, e nós precisamos sair daqui pra descobrir que somos muito melhores do que pensamos.
Eles têm Cortázar, e Cortázar é isso:

Instruções para dar corda no relógio
Lá no fundo está a morte, mas não tenha medo. Segure o relógio com uma mão, pegue com dois dedos o pino da corda, puxe-o suavemente. Agora se abre outro prazo, as árvores soltam suas folhas, os barcos correm regata, o tempo como um leque vai se enchendo de si mesmo e dele brotam o ar, as brisas da terra, a sombra de uma mulher, o perfume de um pão.
Que mais quer, que mais quer? Amarre-o depressa a seu pulso, deixe-o bater em liberdade, imite-o anelante. O medo enferruja as âncoras, cada coisa que pôde ser alcançada e foi esquecida começa a corroer as veias do relógio, gangrenando o frio sangue de seus pequenos rubis. E lá no fundo está a morte se não corremos e chegamos antes e compreendemos que já não tem importância.

(em Histórias de Cronópios e de Famas)

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