segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Lágrimas de Portugal

Dia desses estava com meu pai numa grande loja de jardinagem, comprando mudas de ervas para o meu quintal. Do caixa, ouvi a voz rouca da freguesa que cobrava uma encomenda. Voz de anos de Malboro, certamente alguns scotches. Um pouco inchada talvez, acima do peso. Fechei os olhos para lembrar de onde a conhecia.
Quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal

Minha professora de literatura do cursinho. Ainda estudava letras na época, mas para mim era linda, adulta, mulherão. Os poetas portugueses até então tinham sido uma aula maçante na escola, a professora mais interessada em vender pacotes para a Disney nas férias.
Naquela voz que já se insinuava rouca Pessoa e Florbela eram o que havia de mais lindo.
Naquele tempo de tanta certeza, aquela voz me pincelou de tristeza. Efêmera. Voou para voltar muito tempo depois, reivindicar seu espaço.
Alguém me disse que eu tinha uma tristeza de estimação. Logo se arrependeu, pensou me ofender.
Não, não se ofende quem a conhece e sabe do que ela é capaz. Quando se torna uma velha amiga, sabe que não é senhora de tudo. Conhece seu lugar. Só embaixo do tapete é que apodrece e contamina. Bem cuidada nos leva ao outro lado do Atlântico, nos conecta a Pessoa e Florbela, por teias improváveis de versos.
Linda, minha professora. Não sabia que essa semente já estava plantada até ouvir sua voz rouca entre mudas e vasos. Talvez ela também tenha um quintal...

Um comentário:

Beá Meira disse...

Lizandra,

Fico emocionada por ela. Ser professor é assim mesmo. A gente sabe que será lembrado num futuro anônimo.