Acordo de ressaca de enxaqueca, oito e meia da manhã, e um barulho enlouquecido de furadeira sobre concreto vem do mega prédio que estão construindo aqui em frente. Há menos de um ano, eram quatro ou cinco sobradinhos daqueles de vó, iguais aos que existem em todos os bairros mais antigos de São Paulo, como o Ipiranga, onde eu nasci.
Minha flatmate tem certeza de que eles deixam o trabalho mais barulhento para ser feito aos sábados de manhã. Eu nunca estou aqui neste horário durante a semana, então não sei.
Mas tenho a sensação de que o bairro está sendo invadido pelo Nada, a mesma síndrome de falta de imaginação que acomete os personagens de "A História Sem Fim", de Michael Ende. Aqui, o Nada se materializa na derrubada das casinhas, na expulsão dos moradores mais antigos e na provável expulsão de nós, inquilinos, que gostamos do bairro porque ele é arborizado e tranquilo, porque tem velhinhos e cachorros, porque tem cara de bairro paulistano antigo. Mas não temos grana nem vontade de comprar um apartamento de 4 suítes com vagas para SUVs.
Os mega prédios vêm trazendo carros em fila dupla, crianças confinadas em resorts privês, muralhas que criam longos trechos escuros no lugar da luzinha que vinha das salas das casas, babás e seguranças. A mesma imagem que Jane Jacobs, a jornalista-urbanista que analisou a especulação imobiliária em Nova York na década de 60, enxergou de sua janela no Village. Ela diz que a verdadeira segurança existe quando se conhece os vizinhos e eles estão de olho no seu filho que brinca na rua. A verdadeira socialização das crianças, acreditava ela, acontece na rua.
Quem são essas famílias que já fazem a maior confusão na frente da nova padaria, refinada, com um tipo de clientes que a gente não via na nossa velha padaria, agora só frequentada pelos personagens folclóricos do bairro, o velho abobalhado de chapéu e suspensórios e sua turma?
O bairro ainda tem uma enorme concentração de gente do cinema, jornalistas, designers, músicos. Mas se a especulação imobiliária continuar, logo logo vamos todos ter de atravessar a ponte.
2 comentários:
Hei, o que vc tem contra quem mora do lado de cá da ponte? Me senti vítima de preconceito...De resto, adorei, é isso aí!
Veja bem, durante praticamente a metade da minha vida eu morei a meros 30km do Centro da cidade. Isso traumatiza a pessoa... Hoje, prefiro morar na Baixada do Glicério do que do outro lado do rio, qualquer que seja ele.
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