Resgatei esses dias um livro de ensaios chamado "Nenhuma paixão desperdiçada", de George Steiner. Li um dos ensaios para uma matéria que fiz para a Superinteressante, anos atrás, e agora peguei o livro do começo. Sensacional. No primeiro ensaio, ele parte de um quadro do século 18 para traçar um perfil do leitor clássico. Depois começa a falar sobre como a leitura perdeu a pompa, mostrando o perfil do leitor atual.
Fala sobre a troca entre leitor e livro, sobre o impulso de corrigir o texto, de dialogar com ele, rabiscando, anotando, interferindo, corrigindo. Um trecho:
"Quem é capaz de desconsiderar um erro de impressão sem o corrigir não é um simples filisteu da cultura: é um perjuro do espírito e da razão. (...) Se é fato que Deus, como afirma Warburg, 'encontra-se nos pormenores', a correção de uma palavra grafada com erro é um ato de fé. Emendar, fazer a reconstrução epigráfica, prosódica, estilística de um texto espúrio tornando-o válido é uma tarefa infinitamente mais complexa do que redigi-lo originalmente."
Não é lindo isso? Não é quase um sacerdócio? Sim, mas também é um trabalho. Um trabalho muito do mal pago. Que está me deixando muito frustrada. E olha que nem sou uma editora de autores, de livros de ficção. Simplesmente faço livros de referência, com muita, muita informação.
Sempre adorei o que faço, mas nunca confundi trabalho com militância. Nem com voluntariado. Por isso estou em crise. Comentei com uma pessoa semana passada, um entrevistado que trabalha com produção para TV, que quanto mais perto da arte e da cultura estamos, menos ganhamos. Ele me deu uma explicação muito adequada, apesar de terrível. Para ele, aqui temos a impressão de que certas profissões - que incluem os artistas e também os professores (e conseqüentemente os editores, que talvez fiquem aí pelo meio dos dois) - são consideradas sagradas, logo não podem estar relacionadas a dinheiro. Ganhar dinheiro sendo publicitário tudo bem. Mas juntar filme de autor e dinheiro, livro e dinheiro, ensino e dinheiro, é conspurcação.
Se é assim, os médicos também deveriam ser pobres. Preciso descobrir como é que eles reverteram a situação, antes de começar a achar mais digno vender o corpo.
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