terça-feira, 20 de abril de 2010

Um país sem heróis

Pesquisando jornais antigos para um documentário sobre o golpe militar de 1964, descubro que várias ruas e avenidas de São Paulo remetem a figuras ligadas à ditadura. Vários generais são nomes de rua na Zona Norte, outras figuras políticas diretamente ligadas ao golpe são grandes avenidas espalhadas pela cidade. Ainda temos o recente "Complexo Caciques da Comunicação", que começa no viaduto Luís Eduardo Magalhães, segue pela avenida Roberto Marinho para desembocar na ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira. A imaginação então vai longe, até a Zona Leste, para lembrar dos progenitores de Paulo Maluf, devidamente homenageados nas avenidas Salim Farah Maluf e Maria Maluf. Quando eu era garota, aprendi na escola que os bandeirantes eram desbravadores do interior do Brasil, homens fortes e destemidos. Hoje, são considerados uns facínoras, assassinos de índios. Ou seja, no Brasil ninguém se salva: são sempre figuras de reputação duvidosa que ficam imortalizadas em nomes de ruas.
Não que emprestar o nome a um logradouro seja algo tão edificante assim. Um artista como Tom Jobim, por exemplo, virou nome de um buraco na avenida 23 de Maio. O pobre Marcelo Fromer batizou uma passarela que passa por cima do local onde foi atropelado. E todo o mundo sabe que atribuir nomes de parentes, amigos e correligionários a logradouros é a principal atividade dos vereadores em todos os municípios brasileiros.
Sendo assim, acho que seria muito mais interessante se as ruas tivessem nomes de coisas, de animais, de outros lugares. Regiões como os Jardins, por exemplo, continuariam homenageando cidades e países. Indianópolis poderia manter seus povos indígenas (uns mais humanistas talvez quisessem substituir os nomes dos índios canibais por povos mais pacíficos). Moema manteria seus pássaros. Santo André, muito criativo, já tem doze ruas com os nomes dos signos do zodíaco. Está de parabéns.
A rua em Perdizes onde moro também poderia continuar sendo nome de povo indígena, mas eu não me importaria de morar num bairro em que todas as ruas tivessem nomes de utensílios domésticos ou produtos de papelaria. "Onde você mora?", alguém me perguntaria. E eu responderia: "Na rua Sapóleo, entre a rua Rodinho e a avenida Água Sanitária". Também preferia morar na rua Sulfite, esquina da rua Almaço, em vez de morar na rua de nome do pai do vereador cuja única realização foi ter conseguido homenagear seu próprio progenitor.
(crônica escrita para o curso "Literatura e Cinema", de Wladyr Nader, na PUC-Cogeae)

3 comentários:

Tina disse...

oi liz,
realmente era muito agradavel morar na flor de tília ou na rua das camélias
morar em mirandópolis era muito agradavél :)

Anônimo disse...

uma amiga minha em montevideo mora na rua mahatma gandhi.
sgold

LizandraMA disse...

Nomes bem mais simpáticos, não? Em São Paulo também tem uma Praça Mahatma Gandhi, fica em Interlagos.