domingo, 15 de novembro de 2009

Elegia

Ressuscitei esses dias um CD do Caetano (Cinema Transcendental) que tem essa música.
Engraçado que esta semana entrevistei o poeta Ferreira Gullar para a revista Casa Claudia Luxo (na próxima edição, quatro materinhas minhas que adorei fazer), responsável pelo Manifesto Neoconcreto.
Os neoconcretos - Helio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape, Amílcar de Castro e outros - questionavam a matemática e o racionalismo dos concretistas, propondo uma arte que despertasse os sentidos.
Mas é do concretista Augusto de Campos a letra dessa música, uma das melhores definições de mulher que conheço, sensível com um toque impagável de safadeza. Essa mão, hummmmmmm...

Elegia
(Péricles Cavalcanti e Augusto de Campos)

Deixe que minha mão errante adentre
Atrás, na frente, em cima, embaixo
Entre

Minha América, minha terra à vista
Reino de paz se um homem só a conquista

Minha mina preciosa, meu império
Feliz de quem penetre o teu mistério

Liberto-me ficando teu escravo
Onde cai minha mão, meu selo gravo

Nudez total: todo prazer provém do corpo
(Como a alma sem corpo) sem vestes

Como uma encadernação vistosa
Feita para iletrados, a mulher se enfeita
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns a que tal graça se consente
É dado lê-la

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Outra lição

A lição de ontem foi um exercício futurológico. Agora a gente teve de escrever para nós mesmos velhinhos. Aí ficou assim:

"Cara eu mesma velhinha,
É engraçado, sabe? Sua imagem para mim é nítida. Cabelos sem tinta. Cachos azulados, talvez, com essas rinsagens antigas. Vai ser bem legal ser uma velha de cabelo roxo. Um pouco mais gordinha, claro. Esses culotes não vão sumir.
Já pensei tanto em você sozinha, numa casa gostosa, cheia de amigos de todas as idades, que é difícil conciliar essa ideia com meus próprios desejos. Porque hoje tenho vontade de ter uma família. Você sabe que filho sem pai não é comigo. Para mim, filhos sempre foram a consequência de um casamento feliz.
Não que eu tenha a ilusão do pra sempre, como eu te disse quando criança. Sei que a vida dá voltas e hoje tenho alguma experiência nisso, para o bem ou para o mal. Mas o começo precisa ser muito bom, você não concorda? Um pouco de segurança, um conforto de saber que ao seu lado há alguém para o que der e vier.
Talvez quando você estiver aí cozinhando e tocando a nossa hospedaria, ou algum outro negócio, você imagine que eu tenha deixado escapar oportunidades. Que no fim a gente daria um jeito. Afinal, foram tantas coisas que fizemos sozinhas, com essa independência que tanto assusta as pessoas.
Me desculpe se você se sente só. Espero sinceramente que ainda dê tempo de encontrar alguém que me faça sentir a segurança de que preciso. Eu já senti isso, você sabe. E confio ainda vou sentir de novo. Torça por nós. Assim, vou poder criar uma nova imagem de você, ainda fazendo um monte de coisas, mas cercada de netos e bichos.

Com carinho,

Eu, hoje"

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Lição de hoje

Hoje era pra fazer uma carta pra gente mesma criança que contivesse as seguintes palavras: vela, guarda-chuva, lentes, um laço e durinha. Eu, muito obediente, fiz do jeito que mandaram, com as palavras na ordem:

"Cara mim mesma pequena,

Se tem uma coisa que você pode ficar tranquila desde já é que palavras não vão lhe faltar. Você não vai ser dessas que precisa acender vela antes de prova. Pode contar com isso. As palavras vêm.
Mas nem sempre na hora que você precisa delas, é claro. Afinal, palavras são que nem guarda-chuva. Por mais que se seja precavido, quando menos se espera ele ficou em casa, todo encolhido, enquanto a chuva desaba lá fora.
Pode contar, então, com a imprevisibilidade das coisas. Assim como não existem fatos, apenas versões, também há sempre lentes que aumentam e diminuem o que seus olhos acham que veem.
Por mais que você tente aprisionar a verdade, é bom que se diga: ela sempre se desfaz como um laço de fita. E pode reparar: mesmo que a gente refaça o laço, ele nunca fica exatamente igual ao outro.
Ah, tem outra coisa importante. Papai Noel existe. Coelhinho da Páscoa também. Mas pra sempre não tem. Não sei quem foi que inventou o pra sempre, mas não vou enganar você: isso não existe mesmo.
Então não precisa ficar sempre assim, durinha. Pode relaxar. Isso. Descansa. Melhor já ir treinando.
A gente se vê,
Você maiorzinha"