sábado, 23 de fevereiro de 2008

O Nada em Perdizes

Acordo de ressaca de enxaqueca, oito e meia da manhã, e um barulho enlouquecido de furadeira sobre concreto vem do mega prédio que estão construindo aqui em frente. Há menos de um ano, eram quatro ou cinco sobradinhos daqueles de vó, iguais aos que existem em todos os bairros mais antigos de São Paulo, como o Ipiranga, onde eu nasci.
Minha flatmate tem certeza de que eles deixam o trabalho mais barulhento para ser feito aos sábados de manhã. Eu nunca estou aqui neste horário durante a semana, então não sei.
Mas tenho a sensação de que o bairro está sendo invadido pelo Nada, a mesma síndrome de falta de imaginação que acomete os personagens de "A História Sem Fim", de Michael Ende. Aqui, o Nada se materializa na derrubada das casinhas, na expulsão dos moradores mais antigos e na provável expulsão de nós, inquilinos, que gostamos do bairro porque ele é arborizado e tranquilo, porque tem velhinhos e cachorros, porque tem cara de bairro paulistano antigo. Mas não temos grana nem vontade de comprar um apartamento de 4 suítes com vagas para SUVs.
Os mega prédios vêm trazendo carros em fila dupla, crianças confinadas em resorts privês, muralhas que criam longos trechos escuros no lugar da luzinha que vinha das salas das casas, babás e seguranças. A mesma imagem que Jane Jacobs, a jornalista-urbanista que analisou a especulação imobiliária em Nova York na década de 60, enxergou de sua janela no Village. Ela diz que a verdadeira segurança existe quando se conhece os vizinhos e eles estão de olho no seu filho que brinca na rua. A verdadeira socialização das crianças, acreditava ela, acontece na rua.
Quem são essas famílias que já fazem a maior confusão na frente da nova padaria, refinada, com um tipo de clientes que a gente não via na nossa velha padaria, agora só frequentada pelos personagens folclóricos do bairro, o velho abobalhado de chapéu e suspensórios e sua turma?
O bairro ainda tem uma enorme concentração de gente do cinema, jornalistas, designers, músicos. Mas se a especulação imobiliária continuar, logo logo vamos todos ter de atravessar a ponte.

Uma dedicatória

Enquanto tomo café, resolvo abrir um livro de contos ou poemas pra ler um pouquinho. Ontem abri, depois de muito tempo, os poemas completos do Garcia Lorca. Foi abrir a primeira página e encontrei uma dedicatória. Nomes e just three words. Tudo fez sentido. Tudo existiu. É bom ter histórias.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Just a perfect day

Reclamo da minha vida, mas ora! Tem dias aparentemente normais que se revelam dias perfeitos, paulistanos, cheio de pessoas e boas conversas, do jeito que eu gosto. Fora o calor, que definitivamente não combina com São Paulo, ontem foi legal assim:
- acordei mega cedo, sozinha, porque acabou de mudar o horário de verão (eu adoro quando acaba o horário de verão)
- fui trabalhar de ônibus e às 8 e pouco já estava caminhando pela Paulista, da Consolação até o escritório, com um ventinho fresco no rosto
- encontrei meu sócio no caminho, descemos batendo papo e fomos tomar café
- encontrei uma amiga do prédio que me disse que eu estava ótima, ao que imediatamente repliquei: Sim, eu sei, porque eu sabia que estava mesmo
- trabalhei em 15 coisas ao mesmo tempo e consegui resolver duas antes do almoço, o que é um grande pogréssio
- fui almoçar com outra amiga do prédio e falamos bobagens na fila do quilo, com a médica que estava chegando, resultando em boas gargalhadas
- saí correndo pra pegar o metrô e me abalei para a estação Tucuruvi, a última da ZN, que eu não conhecia
- encontrei meu querido amigo Marcos no metrô, aquele que sempre me põe pra cima
- tomei um táxi pra Guarulhos e descobri que as avenidas principais de Jaçanã, Santana e Tucuruvi se encontram (adoro descobrir caminhos novos para velhos lugares)
- cheguei adiantada na minha reunião porque Guarulhos é muito perto do metrô Tucuruvi
- fiz três entrevistas e aprendi várias coisas
- o diretor financeiro me ensinou o que é hedge
- o funcionário que voltou para a escola depois de 30 anos disse que está adorando, porque ele fez um trabalho sobre o Obama e agora assiste o jornal e sabe quem ele é
- voltei de táxi, com outro taxista tão ou mais legal do que o primeiro, e vi vários grafites legais no Tucuruvi
- peguei o metrô de volta, desci nas Clínicas e fui pra Pinheiros de ônibus, o que levou no máximo uns 40 minutos
- tive mais uma reunião que prometia ser estressante, mas não foi
- encontrei o Marcito e fomos ver o piso do apê dele, além de dar mais um rolê pelo clube que é o lugar onde ele vai morar
- fomos ver o Urso de Cristal que a Diana e o Daniel ganharam no Festival de Berlim, com o curta Café com Leite
- subi pra Dr. Arnaldo com o Marcio a pé
- encontrei o Paulo Gregori, cineasta e professor da FAAP, no ponto e descobri que meu bairro tem mais cineastas do que qualquer outro, tanto que o objetivo de vida dele é ser o melhor cineasta da rua
- cheguei em casa às 23h30 e fui dormir feliz, depois de terminar de ler o livro "Amêndoa", que a Lu me emprestou.
Hoje acordei com vontade de ouvir Lou Reed.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Da ciência do bem-casado

Sem bem-casado um casamento não pode durar. O meu não teve, deu no que deu.
Acho que não ligava muito pra eles, mas hoje acho sublimes. O melhor que já comi é feito por uma confeiteira de Pinheiros, a Mariza. Na casa onde ela atende as noivas, tem bem-casados pra vender. Já fui comer durante a semana, de sobremesa, mas não é a mesma coisa de ganhar de alguém que lembrou de você num casamento, ou de comer depois do casamento que você foi.
Para ser perfeito, o bem-casado é uma equação exata entre bolo, recheio e cobertura. O bolo precisa ser macio e úmido, mas nunca encharcado. O recheio de doce de leite tem de ser distribuído em uma camada uniforme, nem tão grossa que dê cabo do gosto do bolo, nem tão fina que perca o gosto para o bolo. E a crostinha externa, de açúcar, tem de ter a espessura suficiente para criar a textura, sem virar uma maçaroca nem grudar demais no celofane.
Ah, porque primeiro o bem-casado é embalado no celofane, para depois receber o crepom e a fitinha. O visual também conta. É isso.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Obrigada, feliz aniversário!

Aquele menino de Recife, última vez que teve aqui e a gente virou amigos, me chamou pro show do Maquinado. Fui eu, pra variar de embalo, sem quê nem porquê, só pra ver esse moço que me fez tanto sofrer.
Chapei. Poderia ficar a noite inteira olhando o Lucio Maia tocar. Volta e meia volto no Myspace deles, não é a mesma coisa, quero mais.
De qualquer forma, meu amigo, eu agradeço, pelo sim, pelo não, pelo Maquinado. Feliz aniversário.

Janela na calçada

Morar no meu apezinho, com janela pra rua e quintal, no térreo de um predinho sem elevador, tem seu charme. E é um prato cheio pra quem gosta de bisbilhotar a vida alheia.
Não é a primeira vez que um casal senta pra namorar e conversar sobre a vida, o universo e tudo o mais embaixo da minha janela, de madrugada. Esta noite o cara era gringo. Me acordou discutindo o sentido da vida às 4 da matina. Conclusão que perdi o sono e, conseqüentemente, a hora.
Quando a gente mora lá em cima, dá pra dar um berro ou jogar ovos, sei lá, alguma palhaçada dessas. Mas da minha janela, são poucos metros de puro constrangimento. Na próxima encarnação quero nascer Cristina Young, a médica chinesa na lata do Grey's Anatomy.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Sonho de consumo

Uma pessoa (eu) vai à livraria (da Vila) e descobre que existem Moleskines de viagem. Essa pessoa (eu) inclusive recentemente reencontrou uma amiga (a Beá), designer, ilustradora, autora de livros sobre arte, que participa de um projeto em que várias pessoas talentosas como ela mostram as coisas que desenham em seus Moleskines (os links tão aí do lado).
Então essa pessoa (eu) quer esse Moleskine (de Barcelona). Porque tem mapas da cidade, e também é um Moleskine (o caderninho mais famoso do mundo). Aí essa pessoa (eu) vai ver o preço e descobre que custa 85 pilas! O que talvez não fosse um completo despautério (mas é), se na Amazon o mesmo Moleskine não custasse 12 doletas (ou menos de 30 real com o frete).
Então essa pessoa (eu) vai ficar querendo, por enquanto.

Sobre um verão chuvoso

Eu gosto da Marguerite Duras. Não me equivoquei quando, há uns 15 anos, comprei uma meia dúzia de livros dela, li, não entendi muito bem, mas gostei. Ela constrói imagens simples e melancólicas. Melancolicamente simples. Ela diz o que não tem a dizer e em vez do vazio surgem essas imagens. Ela fala de um verão esperado que não vem, porque chove. Parece que observa de uma janela os turistas numa praia, frustrados, às voltas com guarda-sóis inúteis e crianças entediadas. Dessa visão surgiram as crônicas que foram reunidas num voluminho chamado "O verão de 80". Foi uma série publicada no jornal Libération naquele verão. Comprei num sebo, custou 15 mil dinheiros. No verão de 2008 a chuva também drena o nosso ânimo. Mas pelo menos existem livros e janelas.

Trabalho conspurcado

Resgatei esses dias um livro de ensaios chamado "Nenhuma paixão desperdiçada", de George Steiner. Li um dos ensaios para uma matéria que fiz para a Superinteressante, anos atrás, e agora peguei o livro do começo. Sensacional. No primeiro ensaio, ele parte de um quadro do século 18 para traçar um perfil do leitor clássico. Depois começa a falar sobre como a leitura perdeu a pompa, mostrando o perfil do leitor atual.
Fala sobre a troca entre leitor e livro, sobre o impulso de corrigir o texto, de dialogar com ele, rabiscando, anotando, interferindo, corrigindo. Um trecho:
"Quem é capaz de desconsiderar um erro de impressão sem o corrigir não é um simples filisteu da cultura: é um perjuro do espírito e da razão. (...) Se é fato que Deus, como afirma Warburg, 'encontra-se nos pormenores', a correção de uma palavra grafada com erro é um ato de fé. Emendar, fazer a reconstrução epigráfica, prosódica, estilística de um texto espúrio tornando-o válido é uma tarefa infinitamente mais complexa do que redigi-lo originalmente."
Não é lindo isso? Não é quase um sacerdócio? Sim, mas também é um trabalho. Um trabalho muito do mal pago. Que está me deixando muito frustrada. E olha que nem sou uma editora de autores, de livros de ficção. Simplesmente faço livros de referência, com muita, muita informação.
Sempre adorei o que faço, mas nunca confundi trabalho com militância. Nem com voluntariado. Por isso estou em crise. Comentei com uma pessoa semana passada, um entrevistado que trabalha com produção para TV, que quanto mais perto da arte e da cultura estamos, menos ganhamos. Ele me deu uma explicação muito adequada, apesar de terrível. Para ele, aqui temos a impressão de que certas profissões - que incluem os artistas e também os professores (e conseqüentemente os editores, que talvez fiquem aí pelo meio dos dois) - são consideradas sagradas, logo não podem estar relacionadas a dinheiro. Ganhar dinheiro sendo publicitário tudo bem. Mas juntar filme de autor e dinheiro, livro e dinheiro, ensino e dinheiro, é conspurcação.
Se é assim, os médicos também deveriam ser pobres. Preciso descobrir como é que eles reverteram a situação, antes de começar a achar mais digno vender o corpo.

Diversão sim

Finalmente um fim de semana agitado. Até saí pra dançar. Botecos, baladas, programas culturais. Bom, nada disso não me fez levantar quicando hoje. Tudo bem. Vai passar, deve ser o novo remédio homeopático que estou tomando. Preciso perguntar se dá mau humor.
Estava tão reclusa que fiz uma conta rápida e, do final do ano pra cá, já vi mais de 20 filmes, entre alugados e cinema. Li uns cinco livros. Acabei de ler o novo do Vargas Llosa, "Travesuras de la niña mala". No começo achei meio batido, mas depois empolguei. Minha cabeça está a mil, mas não sei se vou seguir lembrando de tudo por muito tempo.

Ódeo no coração e fígado de quinta

Passo um tempão sem escrever, porque tudo parece estar indo bem, aí não tenho assunto. Daí fico de novo com raiva, e hoje foi um dia especialmente cu, daqueles que você tem certeza de que não devia ter saído da cama, e começo a ter mil idéias.
Por exemplo: por que meu fígado é tão ruim? Por que tomo uma caipirinha e dois chopes, mais uma porção de pastel - como todo mundo faz - e fico dois dias de ressaca? Por que ainda estou com sede, se isso aconteceu na sexta-feira?
Já estava me perguntando isso no sábado à tarde, e fiquei ainda mais convicta de que tenho um fígado de quinta ontem, quando fui assistir "Meu nome não é Johnny". Lá pelas tantas o sujeito diz que estava cheirando 100g de pó por semana. Caralho! É muito pó! Como sobreviveu? Como? Como o fígado dele não virou foie gras? Realmente, meu fígado é de quinta.